Este texto é escrito atravessado com Capitão-Mor, que lançou o desafio a suas leitoras femininas. Ele escreveu em seu blog e história sob o ponto de vista dos maridos....
O relógio da sala de aula bateu o meio dia daquela quarta feira. Rita se despediu dos alunos e guardou seus livros. Professora de filosofia, alimentava-se da sede dos pupilos do terceiro ano da Universidade de Lisboa, que se envolviam nas discussões com entusiasmo . Adorava seu trabalho.
Já no corredor, seu celular tocou.
-Oi meu bem, como foi a aula?
-Foi ótima, Luis, hoje discutimos Nietzsche, estou com o coração a mil. A que horas você chega? Quero te contar os detalhes.
-Hoje é dia do jantar mensal com os rapazes. Acho que chegarei tarde.
-Jantar mensal? O Reis estará?
-Claro.
-Não acredito, depois de tudo que ele fez pra Sónia, você ainda vai se encontrar com ele?
-Rita, não tome partido, você não ouviu o lado dele. E eu acho que ele fez o correto, sei que você gosta dela, mas ela chegou no limite do suportável.
Rita ensaiou uma voz de choro, sabia que a reunião servia para falarem mal das esposas e articularem mais alguma contra elas. Aquele Ferreira era uma companhia péssima.
-Bom, já que tenho a noite só para mim, vou sair também. Não me espere acordado.
-Rit...
Fechou o flip do celular enquanto ouvia a vogal final da boca de seu marido.
Conheceram-se na rua. Luis a viu em frente a uma vitrine e se encantou com seu perfil angelical. Morena de cachos brilhantes, seus olhos azuis eram protegidos por imensos cílios. Luis aproximou-se, ela se assustou. Homem alto, Luis logo lhe chamou a atenção por suas mãos.
Rita gostava de mãos. Via nelas um traço da alma. As de Luis eram fortes, de falanges salientes e unhas roídas. Gostava de unhas roídas. Imaginou-o ansioso, um pouco tímido.
Dois anos depois estavam casados.
Viviam bem, apesar do ciúme exagerado que ele sentia. Perguntava sobre seus alunos, aparecia de surpresa na Universidade. Tinha ciúme especial de um antigo namorado, Adriano. Brasileiro, muito bonito e bronzeado, o rapaz um dia os encontrou no cinema, e desde então, Luis fazia comentários sarcásticos sobre o Brasil. Referia-se ao suposto rival por “brazuca”, “índio” e jurava que jamais iria “àquele país infernal.”
“Brasil, nunca!”, era seu slogan.
Puro ciúme.
Naquela tarde, Rita sentou-se para trabalhar em sua tese de doutorado, mas não conseguia se concentrar. Sabia muito bem que de um encontro com Ferreira, nada de bom poderia sair. Os desajustados dos amigos do Luis já haviam feito a cabeça do Reis contra Sónia, e agora ela estava sozinha, com Ana e Lucas para criar. Rita a ajudou durante a viagem que os maridos fizeram à Espanha, pois a pequena Ana teve pneumonia. Passaram três dias no hospital, e Reis não se dignou a voltar para a família. Inconformada, Rita não teve vontade de se dirigir a Luis por duas semanas. Ele seria assim também com ela, quando tivessem filhos?
Ligou para Sónia. Não ficaria em casa sozinha, e sabia que a amiga precisava de um ombro. Além de Sónia, chamou Lúcia, esposa de Fonseca.
-Quero ir a ao bistrô, já faz muito tempo que não como Foi Gras, disse Lúcia ao telefone.
-O bistrô é caro demais, replicou Rita. Estamos guardando dinheiro para comprar um carro no final do ano, acho que não posso ser assim tão extravagante.
-Ah, mas amiga minha não paga, Rita. Você e Sónia são minhas convidadas. Pago nosso jantar no cartão de Fonseca. Pensando bem, faz tempo, também, que não tomo champagne.
Bistrô, Lisboa, 22:55h
Sónia lamentava-se, inconformada com as atitudes de Reis. Não tanto com o divórcio, mas com pequenas posturas dele desde a decisão.
-Parece um adolescente, agora. Coloca a camisa para dentro da calça, usa perfume. Disse que ia pintar os fios brancos que começam a aparecer.
-Pintar os fios brancos? Ah, aqueles dois restantes em volta da reluzente pele craniana, disse rindo Lúcia, que sempre levantava o astral das amigas. Vamos, amiga, você se livrou de uma bomba. Sempre achei que você era mulher demais para aquele chato. Até Fonseca dizia isso – Reis é meu amigo, mas Sónia sempre foi muita areia para seu pequeno caminhão.-
Sónia riu baixo, um pouco envergonhada. Para conter a gargalhada, engasgou-se com
Veuve Clicquot que regava o trio, às custas de Fonseca.
-Pequeno caminhão.... Pequeno caminhão..... – explodiu num riso libertador- Pequeno não era o caminhão, mas a mangueira.
- E você o confortava com aquela baboseira de que "tamanho não importa"?
-Siiimm!!
E as três explodiram em riso!
Riram tanto que os elegantes vizinhos de mesa se voltaram para elas.
Após enxugarem as lágrimas das gargalhadas, respiraram fundo e decidiram que era a vez delas.
-Vamos sair de férias juntas! Chega de agüentar as histórias deles, sempre eles, juntos, Espanha, Londres, cansei. Luis não pensa duas vezes antes de se enfiar em um quarto com aqueles brutamontes, por que tenho que ficar em casa à espera? Nós três. Agora seremos nós. Iremos em dezembro! Para onde?
-Taiti. Taiti, Rita, Sónia lá achará mangueiras dignas de assim se chamarem e ficaremos cozinhando nas águas azuis. Ai, aqueles bungalows de frente ao mar...
-Lúcia, por que você acha que este é o destino de sonhos de todo habitante da Terra? Por que é o mais caro. Não, não posso gastar, vamos comprar o carro, Sónia acabou de se divorciar, pensei em algo mais acessível, mas ainda assim inesquecível. Pensei em Brasil.
-Brasil?!!!! Levamos o Adriano como guia particular! Sónia, aposto mil euros que Adriano rega bem mais longe que Reis!
-Pára, Lúcia, que maldade, respondeu Rita, enquanto notava que Sónia esboçava um sorriso pensante...
-E Luis? O que dirá sobre o Brasil?? Já nos basta uma divorciada!
-Nada, não dirá nada. Eu não reclamei de Espanha, ele não poderá reclamar de Brasil.
Juntas, deram um gole da comprida taça. Fecharam os olhos, para melhor sentir as bolhas coçando a garganta. Aproveitaram a escuridão para sonhar um pouco com dezembro.
Na saída, Lúcia trombou uma moça que chorava. Loira, miúda, usava batom cereja e tinha os lábios carnudos. As lágrimas levavam o rímel preto, que manchava seu rosto.
-Jasmim! Jasmim, querida, o que houve?
Jasmim era irmã de uma aluna de Rita. Tinha seus 20 e poucos anos, bebia muito e não estudava. Rita a conheceu em uma reunião de Natal na universidade, e sentiu muita pena da garota, parecia frágil e assustada.
Sentaram-na em um bar e lhe ofereceram água.
-Conheci um homem na semana passada, dizia ela entre soluços, um homem de verdade, não esses moleques da minha idade. Já faz uma semana, estou desde cedo telefonando e ele não me atende.
Jasmim parecia alcoolizada.
-Calma, ele deve estar ocupado, ou deixou o celular em algum lugar. Bateria! Pode ter acabado a bateria, sugeriu Sónia.
-Qual bateria qual nada. Estou desconfiada, ele me convenceu a usar um esquema para ligar, tenho que usar um número confidencial. Não gosto nada disso, e não sei onde ele mora.
-Esses homens... suspirou Lúcia.
-Pois é... Esses homens...
Continua semana que vem...