sexta-feira, maio 09, 2014

A saudades que não se mata

Nas últimas semanas tenho visto repetidas vezes uma chargezinha divertida sendo compartilhada no Facebook, que fala sobre o ciúmes de amigos... Algo como "Tudo bem meus amigos terem outros amigos, desde que me amem mais".

Num primeiro momento achei engraçadinha, pensei em algumas amigas minhas que amo muito, mas que, infelizmente, já não fazem parte do meu dia a dia, e portanto, devem ter outras amigas próximas que têm o papel que eu um dia tive...

Pra mim, que moro no meio do nada, longe dos meus círculos "um dia sociais", fica muito difícil manter os laços. É triste, mas verdadeiro. (Sorry, Metallica, em outra língua não deve ser plágio...) E o Facebook desempenha um papel bipolar, se não esquizofrênico neste cenário.

Ao mesmo tempo em que vejo reencontros saudosos acontecendo, gente que não se encontra há décadas e pode, enfim, matar a saudades, vejo muita gente sofrendo justamente dessa saudades. Aliás, dizer que matamos a saudades via Facebook é meio assustador. Na minha época de saúde social, eu matava a saudades com um longo abraço, um happy hour no Juarez ou uma tarde de fofoca no sofá. Agora parece que nos satisfazemos em acompanhar o crescimento de filhos de amigos pelas fotos, filhos estes que nunca pegamos no colo. Nos satisfazemos em saber que "temos" ainda tais amizades, "desde que nos amem mais que os amigos que efetivamente tocam a campainha da casa deles..."
E, só pra saber... onde é a casa deles?

Esse "ciúme" que achamos engraçadinho e com que brincamos nos comentários, é, na verdade, bastante doloroso. Pelo menos pra mim, é. Me aponta que não fui capaz de manter meus laços. Me mostra que tive gente maravilhosa ao meu lado, e que deixei que partissem. Me lembra que a vida passa, e leva muitos amores pra longe.

Por outro lado, penso nos amigos que hoje tenho por "perto"... Aqueles que sentam no meu sofá e comem da minha comida (ou melhor, da comida do meu marido, que cozinha bem melhor que eu...). Aqueles que me oferecem ombro, de carne e osso mesmo, e de quem lembro o cheiro. Amigas que conhecem minhas aflições e alguns de meus segredos.

E amigos que ainda estou construindo, conhecendo, descobrindo olhares e trejeitos, desembrulhando passados.
Desejando que esses laços fiquem na realidade. Que possa seguir os abraçando. Que possa ainda curtir o que fazem pessoalmente, e não pelo botão.

E o ciúmes das amigas antigas? Continua... Afinal, eu sou muito mais legal que a madrinha do filho caçula dela, afinal, nossas viagens eram muito mais legais que as que ela faz com aquela outra, afinal, foi comigo que ela chorou o fim daquele namoro, afinal, afinal, afinal...

Continua também, a vontade de matar de verdade as saudades. Digitar endereços no waze e tocar campainhas.
Reaprender caminhos, olhares e sentimentos.
Brindar o que ainda podemos reaver...


sábado, fevereiro 22, 2014

A mentira da invenção

Querida filha.

Estamos em 2014, e você tem apenas 4 anos. Quero que a tecnologia permita que eu deixe alguns recados pra você, caso eu me esqueça ou não dê conta de te dizer tudo.

Cheguei à conclusão que a maternidade é a melhor terapia que podemos fazer. Em você me reconheço e me conheço, mais do que poderia imaginar.

Quando eu era pequena, me chamavam de mentirosa. Assim, na cara dura, e por muitos anos carreguei a vergonha dessa característica" minha. Afinal, se diziam que eu era mentirosa, eu devia mesmo ser não?

Sim, eu contei muitas coisas que não aconteceram. Contei que nasci no avião, entre o Brasil e os Estados Unidos. Contei que vi o ET no final da rua. Contei que vi um padre com crucifixo de olho vermelho levitar na capela da escola. Contei muito mais. E virei mentirosa.

A vida passei buscando ser o mais fiel à realidade possível, como quem busca se redimir de uma fama injusta, com a culpa do erro.

Aí veio você. Vieram você e se irmão, pra ser mais exata. Um pragmático que nasceu com os pés no chão e uma..... uma..... uma cabeça nas nuvens, ou "mentirosa" como eu fui.

Passei muito tempo preocupada com os sofrimentos que você poderia passar por essas "mentiras"... Eu passei. Me questionei muito sobre como lidar com as fantasias, se eram apenas fantasias, ou se eram uma necessidade de chamar a atenção. Viagens que não aconteceram na roda da escola, brigas com amigas que jamais existiram, dinossauros em cima do carro que... bom, dinossauros em cima do carro, ponto final.

Aí ouvi uma frase que me tirou o chão. O mesmo chão em que aprendi a pisar pra não ser chamada de mentirosa: "Invenção é um negócio profundo, invenção é uma coisa que serve pra aumentar o mundo".

Caí de costas. Caí no passado. Caí no choro.

Por que meus pais não conheceram Manoel de Barros pra ouvir isso? Por que não me disseram que o que eu queria era simples assim, como "aumentar meu mundo"?

Hoje descolei de mim uma imagem que me incomodava demais, e que tinha pavor de grudar em você. Siga inventando filha. Siga criando essas extensões do seu mundo, já que você é grande demais para o concreto do nosso. Não vale estar aqui sem olhar os dinossauros no teto do carro. E sim, você pode e vai casar com o Neymar quando crescer. Por que não? Eu não casei com o Bono?..... Tudo pode. Pode tudo.

Daqui pra frente vamos é inventar mais e mais juntas.
E ajudar seu irmão a levitar um pouco, como o padre que vi na capela.

Te amo
Mamãe

"O olho vê
A lembrança revê
E a imaginação transvê.

É preciso transver o mundo"

Manoel de Barros

Bipolaridade básica....

Eu amo trabalhar com adolescente por inúmeros motivos, mas talvez o maior deles seja justamente o fato de eu amar lembrar da minha adolescência.
Foi linda, horrorosa, angustiante, sensacional, cheia de amor, sem amor nenhum, feliz e absolutamente deprimente. Ou seja, uma adolescência como outra qualquer.

Claro que como toda menina de 16 anos, meu maior alvo de revolta eram meus pais. Quem mais seria? Quem mais na Terra poderia me atrapalhar tanto quanto eles, os vilões, os carcereiros dos meus pais?

O causo que mais gosto de contar foi de um namorado que tive.... (aliás, tem causo melhor que de ex namorado?)

Conheci ele na porta da escola. Não, ele não era aluno da escola elitizada que frequentei. Ele era mecânico em uma rua do lado. Mecânico sim, não me venham com preconceitos. Ele era lindo, cabeludo, e cheio de graxa. Tinha nome de batismo, lógico, mas o apelido era a pimenta que faltava naquela moqueca: Punk'eca. Sim, panqueca.

Ela era amigo de uma amiga, e me lembro do dia que ele foi conhecer todas as meninas do grupo, no portão da escola. Como toda adolescente bem resolvida (SQN) eu tinha certeza que ele ia amar outra do grupo, bem mais bonita que eu. Qual não foi minha surpresa quando soube que ele queria sair COMIGO. COMIGO. Eu, euzinha....

Xonei. Eu 16. Ele 24....

16.... 24.....

Estudante, filhinha de papai. Mecânico, cabeludo, sem nome. Cheio de graxa. Ou seja, é ÓBVIO que meu pai ia amaaaaarrr ele tanto quanto eu amaaaavvvvaaa.... Era ou não era o genro que ele pediu a deus??? O que poderia dar errado???

Tudo...

Passei 8 meses namorando um pária. Ele não entrava em casa, eu não podia sair. A santa da minha mãe acobertava, e eu ficava na porta da cozinha, olhando por baixo do portão de casa, vendo a roda do Alfa Romeo passar na lombada pra eu sair correndo com o príncipe encantado que só meu pai não reconhecia.

Foi o romance mais delicioso "evah", cheio de declarações (e traições...) na rua, e uma guerra em casa. Ingredientes perfeitos para uma adolescente dramática.

Sorte do meu pai que um dia minha cabeça pesou demais e eu acabei o namoro. (Peso na consciência, não, peso peso mesmo. Chifre. Muitos.)

Mas o mais interessante ainda está por vir.

Um ano depois, eu chego em casa e meu pai, todo sorridente, vem me dizer que um rapaz muito simpático tocou a campainha em casa. Um rapaz de terno, gravata, educadíssimo.

-Quem era pai?

-Um tal de Marcus Vinícius.

-Marcus Vinícius, pai????

-É gostei dele. Fala bem, bem apessoado.

-Pai. Senta. Marcus Vinícius é o Punk'eca.

Sentei-me ao lado do velho. Enquanto ele digeria o que quer que seja que ele precisava digerir, eu fazia uma grande descoberta. Não queria o Marcus Vinícius. Queria a graxa que incomodava meu pai. Queria mais provocação que a paixão. Senti um certo vazio, mais ainda no olhar confuso do meu pai, que devia estar revendo alguns conceitos dele que eu, filha, não imaginava que precisassem ser revistos.

Gostaria de ter descoberto naquele momento o que hoje sei. Que todos nós somos Punk'ecas e Marcus Vinícius. Que todos nós nos reinventamos e somos bem mais que aparentamos. E mais, que todos nós somos Antônios e Tatianas, que dão murro em ponta de faca até perceber que a faca pode ser redonda. Dói tão menos.

Mas não percebi nada disso. Dei um tapa no ombro do  meu pai e transformei isso na piada da família. Em alto teenage style me senti vitoriosa.
Ou não.
Sei lá.