-Se você quer falar comigo entra, Nelson, eu não tenho nada a esconder. Ficar falando baixo atrás do galinheiro não é comigo... Entra, eu não vou sair.
Nelson retrucou, disse que não queria que Paula ouvisse, que queria conversar com ela longe das irmãs.
-Aqui dentro! Eu não saio! E fechou a porta de tela.
Em seguida viu Nelson entrar, cabisbaixo, com medo e nitidamente ainda assustado. O sol baixava por trás do quintal de barro de D. Lourdes, e Sílvia lembrou-se da ternura que sentia pelo antigo namorado. Nelson tinha sido tão bonito na faculdade, fazia o tipo sedutor. Não via mais o moço de 19 anos no agora cunhado. Envelhecido e triste, Nelson parecia mais um dos comerciantes da vila, podia bem passar por Seu Jaílson, o dono da farmácia...
-Ainda não acredito que você é a Sílvia irmã da Paula. A Sílvia de quem ela fala com tanta mágoa. Nunca imaginei que fosse você.
-E eu? E o susto que levei quando te vi entrar na sala? Mas fico feliz em saber que, de alguma maneira, somos família. Tenho boas lembranças daqueles tempos.
Nelson não parecia acreditar na simplicidade com que Sílvia falava, justo ela...
-Pois eu não estou nada feliz com isso, eu até hoje penso em você, pôxa, eu saí de São Paulo por sua causa!
-Nelson, nós tínhamos 18 anos! Que é isso, já faz tanto tempo! Eu nem lembro por que você veio embora, não foi por causa da sua mãe, não era uma coisa assim?
-Não, vim embora por que você não quis casar comigo. Não queria nem pensar em ficar na mesma cidade que você, sussurrou bravo Nelson, olhando por trás da cortina da cozinha.
Sílvia não agüentou e gritou com o cunhado.
-Casar! Nelson, não acredito... Não, você definitivamente merece a Paula, é tão descompensado quanto ela... Casar!!!! 18 anos, ser humano, 18 anos!!!!! Eu hoje com quase 40 não me casei, por que cargas d´água eu ia me casar com 18 anos!
Sílvia virou-se de costas para ele, e ficaram um tempo em silêncio.
-Se você não contar para sua esposa de onde me conhece conto eu. Eu não vou ficar de segredinho com você pelos cantos, ainda mais sobre um assunto tão passado. Hoje! Ou conta hoje ou amanhã depois do enterro eu mesma conto.
-Você é louca, se ela sabe disso morre de desgosto. Você não entende, Sílvia, se fosse qualquer outra mulher não tinha tanta importância, mas é você! A irmã que trabalha, que mora longe, que é independente.... Depois que ela te viu, então, só piorou! Eu subi e ela estava se olhando no espelho, se arrumando, se comparando a você! Ainda disse que ela é que deveria ter ido embora, não você! Que você mais velha parece a mais nova, e que EU acabei com ela, a enchi de filhos e a enterrei nesse fim de mundo! EU! A culpa é MINHA! E agora, eu, muito bom marido, vou subir e dizer: sabe a sua irmã, aquela, que você inveja até o último pó de maquiagem cara, até a última gota de perfume importado? Então, ela é o grande amor da minha vida, ela foi a namorada que acabou comigo e que me fez vir pra cá. É a dor de cotovelo dela que você tenta curar há anos e não consegue! Pronto, agora vamos todos viver felizes por que eu fui sincero, e no fundo é isso que importa, né? Não é Sílvia? É isso que você quer que eu fale? Hoje?!
Saiu da cozinha em disparada, e nem reparou que deu de encontro com Marta, parada, pálida, fitando os dois que berravam por trás de uma cortina de pano como se estivessem protegidos.
Sílvia se apoiava na pia, pertificada com o que ouvira. Não se importou com a presença da irmã, e ainda perguntou:
-É isso mesmo? É isso que ela sente por mim? É por isso que ela me trata como se eu fosse culpada pela vida dela?
-Pode ser... Mas ela me trata assim também, Sílvia, acho que ainda pior. Só que se ela descobrisse que eu namorei o Nelson não doeria tanto quanto sendo você... É verdade tudo isso?
-É, mas foi coisa de criança, Marta, eu pra ser sincera nem lembrava direito!
-Mas para ele não parece tão de criança assim... Que coisa, se eu acreditasse em coincidências essa seria a maior delas.
-Não acredita?
-Eu? Imagine, isso é obra Dele. Ele quer nos mostrar alguma coisa, ainda mais isso tudo acontecendo hoje, no dia da morte da mamãe! Eu se fosse você ia pro quarto orar, irmã, pedir auxílio...
-Ai, Marta, por favor... Tudo menos isso, que auxílio o que! Isso é problema deles, se ele vive há anos à sombra de fantasmas é problema dele!!! Não meu!!! Boa noite, Marta, vou tomar banho e dormir. Estou quebrada!
-Orar ia te fazer bem...
-Já disse que não sei fazer isso. Esqueci como se faz no dia em que entrei no ônibus, e não quero me lembrar... Até amanhã...
Entrou no quarto que era dela e de Paula na infância. Desde pequenas brigavam muito, mas sempre achou que era coisa natural de irmãs, gostava de acreditar que por trás disso havia algum sentimento bom. Já deitada pensou que se houvesse mesmo algo bom, ela teria voltado antes. Se houvesse carinho ou mesmo consideração, teria ligado para saber notícias. Não havia nada. Nem raiva, nem carinho.
Só pressa em passar pelo dia seguinte.
Pressa em enterrar a mãe e voltar para casa.
Pressa em sair dali.
De novo...
Inté!! Bom feriado. Penúltimo capítulo, semana que vem...
5 comentários:
Quando você acaba uma blogsérie, não lhe dá uma saudade das personagens? Isso aconteceu comigo...
Bom feriado!
and the plot thickens... rs
como esse rolo vai se resolver eu não sei, mas é tão bom acompanhar assim...
beijo!
Pois é, Capitão, ainda sinto saudades da Rita... Penso se ela estará bem ao lado de Diego, lá em Lisboa....
MH, e muito bom escrever assim, parando no momento certo de cenas dos próximos capítulos....
beijos e bom feriado
Pô, você nem atendeu á minha "enquete" lá nos trópicos! :(
Poxa, nenhum post novo!! Eu e Aninha protestamos. TA DEMORANDO MUITO!hehe..
Caia
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