quarta-feira, outubro 31, 2007

A lista de Ross

Não, não é um nome de filme dramático, estilo Schindler, ou A Escolha de Sofia... Nada triste, arrebatador...
Pra quem acompanhou a série Friends, é fácil de se lembrar...
Ross, o personagem lindo e com carinha de cão solitário, faz uma lista com a namorada Rachel, de celebridades que ela "libera" para ele transar, caso ele as encontre , claro, e elas topem.
Essa conversa dura um episódio todo, até que ele resolve tirar uma das celebridades (Isabela Rosselini) da lista e, óbvio, ela aparece.

Um dia de chuva na roça, há muito tempo, eu e Sr. Jeca elaboramos uma lista assim, só que, como é no mundo real, combinamos apenas uma celebridade.
Ele foi logo atacando de Luize Altenhofen.
Como o meu era o Luis Figo, figura internacional, que nunca pisa em terras brasucas, ganhei um crédito e pude colocar outro, desde que também internacional, para equilibrar as chances.
Fiquei na dúvida entre o Benício del Toro e o Gael, mas como o Toro estava mais pra baleia à época, optei pelo pequeno mexicano.

Há um ano, mais ou menos, vi a Altenhofen no shopping. Imediatamente, como boa "sport", liguei para o maridão:

"Adivinha quem está subindo a escada rolante bem na minha frente? Sua celebridade-free. Quer que eu fale com ela e passe seu telefone? Só que ela está aos beijos (aliás, bem vulgarmente para um ambiente público) com um pitbull tatuado até a careca e, pra ser beeeem sincera, se você quiser mesmo sair com ela é bom levar o Photoshop junto, que ela não é lá grandes coisas..."

Depois dessa descrição, ele achou melhor eu não arriscar...

Por outro lado.....

Enquanto fico à espera da tal Copa do Mundo no Brasil, na esperança de topar com o Figo por aqui, leio diariamente que minha segunda opção está livre leve e solta pelos jardins paulistanos, almoçando em restaurantes comuns e caminhando na Oscar Freire....

Sr. Jeca que se cuide, pois tenho free pass.... O único problema é segurar o baixinho no Brasil até eu recobrar minhas formas normais, pois do jeito que estou, redonda e andando como uma pata, não sou competição para ganhar nem um "oi" do Toro, quanto mais do badaladíssimo novo brasileiro....

Inté!!

quinta-feira, outubro 25, 2007

Blogsérie: O Funeral, capítulo IV

-Nelson? Como assim, "Nelson"? Por que vocês estão os dois aí parados com essas caras? Hein?? Fala, Sílvia? Nelson, que foi? Fala!!

Paula já estava parada entre os dois, virando a cabeça ora para a irmã, ora para o marido, que ainda segurava a maçaneta.

-Alguém vai falar o que está acontecendo? Nelson? Olha pra mim! Você conhece minha irmã?

Sílvia resolveu quebrar o silêncio e respondeu que Nelson havia sido seu colega no primeiro ano da faculdade, mas que logo largou.

-Eu sabia que ele tinha se mudado pro interior, mas não sabia que era pra cá. Já faz tanto tempo, assustei-me com a coincidência, foi só.

Paula olhou desconfiada para o marido, que a essa altura retomava o fôlego do susto abrindo a pasta de documentos da sogra.

-Vão levar sua mãe para o velório municipal amanhã às 8 da manhã. Agora só podemos descansar, não se pode fazer mais nada.

Sílvia encotrou o olhar astuto de Marta, que assistira à cena da porta da cozinha. Ofereceu-se para ajudar no jantar, e logo estavam as três sozinhas, preparando as coisas. Paula parecia mais calma, mas ainda não estava convencida de que aquele encontro tão tenso tinha sido apenas de dois ex colegas de sala. Entretanto, parecia não querer investigar mais naquele momento.
Foi Marta que retomou a conversa.

-Mamãe sentia muito sua falta, Sílvia.

-Pois é, sentia mesmo, nunca soube o porquê... Eu dizia a ela que você partiu por que quis e que deveria ser muito mais feliz longe dela, então pra que saudades.

-Eu também sentia saudades. Dela, sentia muito a falta dela. E não me preocupo com o que você dizia a ela, Paula, ela sabia que eu a amava. Era minha mãe, pombas, e a única que parecia se importar comigo, lá longe.... Por que vocês nunca quiseram ir me ver em São Paulo?

-Ah, Sílvia, não dá, eu detesto São Paulo. Além disso teria que ir em final de semana, e é quando tenho mais tempo de ajudar na Assembléia.

-Odeia São Paulo? Mas Marta, você nunca saiu desta vila! Desculpem, desta cidade!

-Você não muda, né, Sílvia? Continua achando que é melhor que todos na cidade. Vila..... Pelo menos estamos mais seguros, todos se conhecem...

-É, esse "todos se conhecem" é o que me assusta... Mas enfim, não quis menosprezar, Paula, me desculpe.

-Ai, Paula, que seguros que nada! Outro dia, Sílvia, um moço lá da Assembléia matou a filha e a ex mulher. Depois deu um tiro na cabeça, uma coisa horrível. Não estamos seguros em nenhum lugar, só Nele.

-E você Marta? Não tem namorado, noivo, amigo, sei lá?.... Um paquera?

Paula riu com sarcasmo, levantou-se com uma bacia de batatas descascadas e encostou-se à pia. Sílvia pôde ver que a irmã, mais nova que ela, estava muito mal cuidada. Sempre fora tão linda, a mais bonita das três, e agora parecia-se com D. Lourdes. Sentiu pela amargura da irmã, que franzia o cenho e só sorria por ironia. Uma pena. Enquanto jogava as cascas no lixo, continuou rindo da vida amorosa da caçula.

-Sabe Sílvia, até que seria mesmo bom você levar Marta pra São Paulo! Quem sabe assim ela punha um pouco as partes de baixo pra trabalhar, hahaha, essa aí se bobear ainda é virgem. Está esperando o homem certo, véu e grinalda pra ser feliz... Diz que só dorme com homem se estiver casada! Já falei pra ela que não precisa dormir, acaba o que tem que fazer e volta pra casa. Dorme sozinha! Uma tonta, é isso que ela é.

Sílvia observou Marta enrubescer de raiva, enquanto desfiava a galinha dos fundos. Teve pena da galinha. Não esperou a reação que viu na irmã.

-Bom, Paula, pelo menos eu não precisei casar correndo com o primeiro paulista que apareceu, antes que ele descobrisse que eu já rodei a cidade toda. Sabia, Sílvia, no dia que o Nelson chegou de mudança a Paula já foi lá, levar bolo pra mãe dele, toda receptiva. Fez que fez e logo estava grávida do Rodrigo. Coitado do Nelson, não teve escolha!

Paula não escondeu a raiva, ainda mais por ter que dividir isso com Sílvia. Orgulhosa, secou as mãos no vestido florido e ao passar pela irmã, sussurou entre dentes:

-Hipócrita. Bem que você queria ter um marido pra apagar esse teu fogo à noite. E cuidado viu? Se não casar logo, fica seca! Vai morrer sem filhos, sozinha!

Sílvia levantou-se chocada, não podia acreditar que os ânimos não haviam mudado nada em 20 anos. Estavam ainda piores.

-Eu não acredito que nada mudou! Não acredito! Marta, eu sei que é sua escolha, mas você não pode viver em função Dele! Minha irmã, a vida é mais que isso, queria muito que você visse! E Paula, nunca conheci alguém tão amargo quanto você. Você põe esta pose de durona, de mulher de família, mãe de quatrto lindos filhos, mas vem cá: você falou de felicidade, mas você é feliz? Fala de verdade, você É feliz?

Paula a olhou por cima do ombro.

-Só você adquiriu esse direito, no dia em que fez as malas.

Pela primeira vez na vida Sílvia não sabia o que falar. Percebeu que Marta chorava, e foi abraçá-la.

-É, também sinto falta de mamãe....

Enquanto consolava a irmã, percebeu que Nelson estava encostado na porta que dava para o quintal dos fundos. Fez com o olhar um sinal para que o seguisse e saiu de vista. O sol se punha e Sílvia não sabia se aguentaria mais emoções naquela tarde.

-Vai tomar um banho, vai, Marta, deixa que eu termino o jantar. Vê se a Paula está bem, faz as pazes com ela, vai, pelo menos hoje...

Sozinha na cozinha, Sílvia olhou para o quintal de barro que guardava as tão bem cuidadas galinhas da mãe.
Aproximou-se da porta de tela e abriu-a.



Continua semana que vem, véspera de feriado de finados... que melhor dia para um funeral literário?

Inté!!

segunda-feira, outubro 22, 2007

Sessão "Homens na vida das mulheres parte VI: O Narcisista

Senti saudades desta mini seqüência de posts, há muito tempo parada...
Talvez parada pois eu sempre soube que o próximo abordado (depois de abortado!!!) seria o narcisista... Acho que travei nele.
E travei por motivos óbvios. O narcisista é, provavelmente, o tipo mais maléfico para uma mulher.
Desculpe, para uma mulher não, pois quando nos tornamos mulheres, com M maiúsculo, sacamos de longe um narcisista e depois de tirar algumas com a linda cara dele, partimos para outra, de preferência um que esteja olhando para a NOSSA cara, e não para o espelho.
Mas é profundamente venoso para a auto-estima das moças em formação, das futuras mulheres.

Eu posso falar deste tema com categoria, escola e diploma de graduação. Tive 2! E para piorar com o mesmo nome. Em casa, diferenciamos os dois Exús pela nacionalidade:

-Tá falando de quem? Do Narciso Português ou do Narciso Japonês?

O Narciso Português era filho dos tugas, mas meu pai até hoje xinga o pai do dito por que ele nunca devolveu um livro sobre Castro Daire, a aldeia do meu velhinho....

O Narciso Japa era meio japa meio alemão, mas era o Rei dos Narcisos, o soberano do Lago dos Espelhos, o Zeus, da Terra do Meu Umbigo!

Geralmente o narcisista entra na vida da moça como um furacão, arrebata-a com sua elevadíssima auto-referência e ela, boba ainda, acredita nele. Acredita que ele é SIM liiiiiiiiindo, que não há em sua profissão alguém tão eficiente quanto ele e que a vida sem ele é um palco sem luz, uma montanha russa estacionada.

A moça que é cega a esse primeiro contato geralmente demora para recobrar a visão. E demora por que a imagem do narciso embota sua capacidade de crítica e bom senso. Ele fica ali, pulando à sua frente, macaqueando suas capacidades, dando beijinhos nos bíceps e arrumando os cachos enquanto ela se esquece de si.
Depois de um tempo de lobotomia, ela já não sabe mais de que tipo de música gosta, se gosta genuinamente de lutar Kung Fu ou se virou fanática por que ele é bi- campeão mundial neste esporte... (esse, claro, era o Narciso Japa...)
Esquece-se dos nomes daqueles vultos que um dia chamou de amigas, e jura com a mão sob Cem Anos de Solidão que seus melhores amigos são os amigos Dele. Afinal, se são amigos Dele, como não ser os melhores?...

Além disso, há sempre uma pergunta pairando na cabecinha da moça levada na coleira por um narcisista: "O que Ele viu em mim?"
Eu, que sou tão normal, bonitinha mas nada que emudeça os homens na rua. Inteligente, mas nada que me renda um Nobel. Nem rica eu sou, pra que ele seja interesseiro.... Por que cargas d´água ele resolveu sair COMIGO?

E é aí que a onça bebe água. É neste ponto que ele consegue o que precisa para ter você sempre estendendo o tapete vermelho a seus pés: minou sua auto-estima....
Daí pra frente a tal moça em estágio de cabeça de ostra deixa de pensar por si e vive em função daquela imagem criada... Vê o mundo através dos olhos Dele.

A moça fica confortável no colar escrito Narciso, mas não sabe de uma face primordial do tal grego: Ele se ama, acima de tudo e todos. Inclusive acima dela...

Neste dia, algo na moça grita. Pode ser que ela continue paralisada e ele fuja com sua própria imagem ou pode ser que ela mesma se liberte do feitiço. Mas um dia acaba....
E esse dia é absolutamente mágico....
É um dia ritualístico, daqueles de índio, com sangue suor e lágrimas, que doem absurdamente no começo mas que logo a fortalecem, e ela vira mulher...

Naquele dia, os vultos das amigas de verdade voltam a ganhar nome e ela se dá conta de que se apóia em alguns ombros vitais... Naquele dia ela muda a estação do rádio e redescobre gostos...
Dali pra frente, a névoa da maldição posta se esvai, e ela tem que se olhar no espelho.
Se for forte, saberá que aquela imagem é Ela, que sua essência está naquela pessoa que acordou depois de tantos anos. Para completar o ritual, a nova mulher queima as luvas de boxe e as manoplas, faz votos de NUNCA MAIS assistir a um filme do Van Damme e de jamais em sua vida viajar de moto, coisa que mais detesta.... Ela detesta....

Aos poucos, percebe que é mais flexível que forte, e arremessa o dumbell de 15 kilos na foto do Narciso! Como Scarlett O´Hara em E o vento levou... grita para o espelho quebrado:

-"I'm going to live through this and when it's all over, I'll never be muscular again. As God is my witness, I'll never be muscular again."

Por trás do espelho quebrado, ela percebe que Ele nem era tão maiusculamente divino assim... Era simplesmente ele...
O motoqueiro alto, loiro e maratonista tinha a bunda maior que a sua, e os dentes meio tortos... Se lembrar direito, já estava com umas entradas fortes e tinha uma risada muito esquisita...
O lutador mais forte do mundo tinha as costas cheia de espinhas, de tanto suplemento. Pelo excesso de proteína exalava um cheiro forte e ruim, e de tanta musculação, andava de braços abertos, parecia um tronco. Ela olha os sapatos de salto alto e agradece poder finalmente usá-los, sem paracer que está namorando o Danny de Vito! Além disso, a lucidez proporcionada pelo final do encantamento faz com que lembre de sua vida por baixo dos lençóis antes da fase coleirinha, e agradece que voltou a si. Ela achava que aquilo era bom? Lembrou-se de um one night stand que teve antes dele... 10 a zero nos 4 anos de rapidez, silêncio e falta de criatividade que o Narciso-san, preocupado apenas com ele mesmo lhe impôs.

Acabou!

O narcisista é maléfico, como já expliquei ao limite da exaustão, mas temos que olhar o copo meio cheio, sempre!
Depois dele, a já Mulher se fortifica, se ama mais e fica pronta para uma relação madura e igual! Por cima do espelho quebrado ela pode encontrar um ser humano real, de carne e osso, com defeitos e qualidades e amá-lo não pelo que ele quer que ela veja, mas por uma essência humana.
E ela, então, poderá experimentar verdadeiramente o que é amor.
Amor de mão dupla, que vai nos dois sentidos...

Inté!!!
PS: Seria "Sweet Revenge" um título mais adequado? Não mais...
Mas devo confessar, em um post de citações hollywoodianas:
"When I´m good, I´m very good... But when I´m bad, I´m even better..."

200

Vixe, eu nem comemorei o 200o post, publicado abaixo.... 200, hein?....
Obrigada pela presença, volte sempre e da próxima vez traga um bolo! Pode ser de milho ou fubá, que eu não sou a Silvinha.....
Inté!!

sexta-feira, outubro 19, 2007

Blogsérie: O Funeral, capítulo III

Foto: olhares.com

- Sim, sou eu... O senhor é... Padre Luis? Nossa, é o senhor mesmo? Quanto tempo!

-Tempo mesmo... O quê, uns 20 anos?

-Sim, fui embora há quase 20 anos... Mas o senhor tem muito boa memória, não? Reconheceu-me assim, praticamente de costas...

-Claro, quem se esquece da roupa rasgada? Bons tempos aqueles, viu? Sua tia Berta quase morreu de tristeza, mas a Igreja vivia cheia, as crianças gostavam de ser coroinhas e os adultos disputavam lugares na minha missa... Hoje... Pareço o bazar do seu Agripino, tenho que ficar de olho na concorrência.

Sílvia já se sentava ao lado daquele senhor que um dia lhe expulsara aos berros da aula de catecismo. Parecia agora tão inocente, ali sentado sozinho embaixo do manacá da praça. "Concorrência? Então a Matriz não é mais a única?"
-Não, a Matriz é e sempre será a Matriz! Outras igrejas católicas não há, mas perdi muitos fiéis para os galpões que abriram na cidade. Até o Jorge do artesanato abriu uma sala dessas. Eles colocam umas cadeiras de plástico, pintam a fachada com algum nome bonito e puft, mais 20 que se vão. Até pensei em ir disfarçado a uma delas para ver o que os atrai tanto, mas iriam me reconhecer. Sabe, Silvinha, lá no Santa Clara, a rua principal tem quatro dessas igrejas seguidas. Nem imagino o que fazem para atrair gente. O Deus não é igual?

-Não sei, padre Luis, não sei. Quando saí daqui Ele também ficou... Mas certamente Marta ainda lhe é fiel, não? Não imagino minha irmã debandando para outro lugar...

-Marta? Silvinha, há quanto tempo você não vê sua irmã? Já faz muitos anos que ela se juntou à Assembléia do seu Vicente. Minha querida, você vai se surpreender com suas irmãs, se ainda não as viu... Não quer entrar um pouco e fazer uma oração? Vai precisar.

-Não sei mais fazer isso, obrigada. Já vou indo, vou caminhando até a casa da minha mãe, quero rever a cidade. Até mais, padre Luis. Fique bem, sim?...

Sílvia deu a volta na praça e sorriu ao ver o antigo coreto. Atrás dele havia uma guarita, e foi nela que o Tonico lhe beijara pela primeira vez. Tinha onze anos, e voltavam da Festa de São João na Paróquia. Era tão lindo, o Tonico. Alto, moreno de olhos cor de mel, era do time de futebol de salão da cidade vizinha. O que seria dele?...

Na rua de trás, encontrou Seu Agripino, de quem comprava balas de goma depois da escola. Ele abriu-lhe um largo sorriso e em seguida, abraçou-lhe em consolo pela perda da mãe.

-A Lourdes vai fazer falta, era uma mulher muito boa. Gostava muito de você, viu? Contava com muito orgulho que tinha uma filha jornalista em São Paulo. Falava com o peito estufado e os olhos cheios de lágrimas. Só dizia que queria que você se casasse logo, que já estava velha para ter filhos... Mas vejo que continua bonitona, hein? Você é a mais nova, não?

-Não, sou a mais velha, seu Agripino...

Continuou sua via crucis com a garganta embotada. Sua mãe jamais lhe dissera nada sobre orgulho, e ela desconfiava que D. Lourdes nem sabia bem qual sua profissão.

Logo chegou à rua de sua casa de infância. Relembrou o cheiro do galinheiro da casa de D. Iara, do barro molhado da rua ainda sem asfalto e dos jasmins do vizinho da frente. Antes que se desse conta estava com a mão no portão de madeira do quintal de casa. Parou.

Ouviu os sons de dentro, talheres se batendo na pia, o sabiá preso na varanda e o som abafado de uma voz masculina no rádio. Devia ser Marta. Logo escutou a irmã, e seu coração pareceu parar no peito. Estava petrificada na calçada, quando ouviu:

-Você vai entrar para ver minha vó ou veio concertar o portão?

-Hã? Ah, não, vou entrar...

-Você deve ser minha tia, né? Minha mãe disse que duvidava que viesse. Entra, elas vão começar a arrumar as coias. Ah, eu sou o Rodrigo.

Sílvia andava passos atrás daquele rapaz comprido que lembrava seu pai. Ele abriu a porta berrando:

-Tia Marta, olha quem está aqui! Mãe! ô, mãe, você disse que que ela não vinha, né? Ela chegou!

Sílvia ficou à porta, sem graça, estranha naquela casa tão sua. Viu o sofá de couro vermelho ainda com o retalho do rasgo que Paula fez ao brincarem de desfile. A mesa de centro não era mais de vidro, mas uma pequena tora de madeira, mal ajambrada e feia.

-A de vidro quebrou. O Lucas da Paula caiu em cima. Levou 10 pontos na testa, e mamãe arrumou esta aí, provisória.

Era Marta, que vinha da cozinha, e segurava a cortina de contas que a separava da sala. Sílvia teve vontade de abraçá-la, mas conteve-se. Não a via há tanto tempo, mal a reconhecia. Tentou achar naquela moça envelhecida, de cabelos intermináveis e sem cor a menina de cachos negros que era uma graça rezando antes de dormir. Chorou...

-É, também sentimos falta da mamãe, disse Marta se aproximando e abraçando a forasteira.

-É, ...mamãe.... Pois é, desculpe, não resisti, respondeu abraçando a irmã de volta. Marta não parecia tão assustadora quanto disse o padre. Até lhe sorriu.

-Ah, chegou a celebridade! Regina, vai ajudar seu irmão, ele não consegue se limpar sozinho, berrou do alto da escada, Paula. Voltou o olhar para a irmã recém chegada. Sílvia ouviu a resposta da sobrinha:

-Ahhhhhh, manhê, ele já tem 7 anos!!!! Vai se limpar sozinho, eu estou varrendo o quarto.

Paula suspirou e correu escada acima.
Sílvia também suspirou. Ganhara alguns minutos.
De repente, a porta se abriu, e Sílvia, ainda absorta nos detalhes de sua casa, ouviu Marta cumprimentar:

-Oi Nelson, a Paula está lá em cima. Conseguiu reservar o velório?

Sílvia se voltou, enquanto ouvia os passos de Paula descendo a escada. Não acreditou no que viu. Sua vista ficou embaçada e quase não foi capaz de dizer:

-Nelson?
O homem ainda segurava a maçaneta, e também visivelmente chocado, só consegiu responder:

-Sílvia?

Continua semana que vem.....


Inté!!

quinta-feira, outubro 18, 2007

Resposta!

Pra começar, é preciso dizer que os comentários que vocês deixaram no post abaixo merecem um post de resposta! Em primeiro lugar por que é um assunto delicioso, por que vocês me deram vááárias idéias e por que quero garantir que cada um tenha sua resposta divulgada...
Amei, vou fazer mais enquetes para ter leitores anônimos se manifestando e tímidos arregaçando as mangas...

Dani Moll, 100 anos de Solidão também é livro marco na minha vida, mas concordo com você, lido na sétima série é do rol das malucas que encaram as páginas com uma certa obcessão quase maníaca... Macondo ainda está muito além dos passaportes deles...... Meu pé de laranja lima coloquei na lista da 5 série, para já começarem com chave de ouro! Anne Frank parece bem cotada na enquete e Capitães de Areia fala à alma nacional.... Obrigada!!!

Gatta, vou pegar de jeito a professora que te fez odiar Primeiras Histórias... Deixa ela cruzar comigo na rua, rsrsrs...
É por sua aridez mesmo que eu quero trabalhar com eles, leitura em sala, de preferência em roda, para discussão e fruição. Já aconteceu isso este ano, alguns detestaram o livro de Crônicas do Veríssimo que dei, mas ao ler em conjunto, adoraram, pois o entenderam melhor... Saramago anda de mãos dadas com o Gabo, um dia eles chegam lá.... Feliz ano velho também me marcou muito, mas de uma maneira que nem é apropiado escrever aqui... Foi durante sua leitura, aos 12 anos que descobri certas sensações... Eu até marcava as páginas para reler depois... Sacou?
Fernão Capelo gaivota é o livro que mais marcou o Sr. Jeca, adorei que apareceu nas dicas... Vou ler... Thanks!!!

Gui, saravá, querido!!! Amo suas aparições! Vou checar a compilação de contos e poemas, pois o projeto é fazê-los escrever um livro de contos ao final do ano.... Na sexta série, fazem o blog... Na sétima, o livro e na oitava, se tudo der certo, ponho os pupilos no palco para encenar Nelson Rodrigues...... Adoraria dar o Mundo de Sofia, mas a minha face controladora não deixa que outra professora assuma tal análise.... Vou deixar para a oitava, sob MINHA (megalômana) supervisão... A indicação dos Villas Boas também está anotada, thanks....
PS: Eles leram A Casa Tomada do Cortázar, sabia? "Nossa, pro, muito louco isso, né?"......

Clau, também adoro a coleção..... Trabalho na quinta série com Contos Brasileiros e Poesias. Na sexta, usei o Crônicas. Como notei, Anne Frank não terá escapatória desta vez e o Gênio do Crime uso na quinta série, eles simplesmente amam!!! E claro, obrigada por não me deixar sozinha no mundo dos leitores masoquistas do Holocausto, rsrsrs. Se bem que sua causa era bem mais nobre que a minha.....

Carolzinha, quem sabe podemos arranjar de VOCÊ dar as aulas de texto enquanto eu troco fraldas de cocô, hein? Que acha?..... Vou checar também o Olhai os lírios do campo, infelizmente este eu não li... Mas você me fez lembrar de Incidente em Antares, que é fantástico....

MC, excelente lembrança! fernando Sabino é ótimo para esta faixa etária!!! Super considerado na minha lista de finalistas!

MH, este ano dei A volta ao mundo em 80 dias, mas meu único problema com Verne são as malditas adaptações!!!! É super difícil achar original, ainda mais sabe onde, né? Na roça.... O Apanhador saiu rápido da lista, vi que era divagação demais da conta para eles.... E a Vaga Lume é ótima, mas deixo para 5a e comecinho de 6a séries. Se eu me enfiar lá na Cultura de chamo, pode deixar!

Virgínia, também adoro a coleção Para Gostar de Ler, e uso sempre que posso. Já o Tronco do Ipê está anotado para leitura, obrigada!

Capitão, este prazer que temos ao folhear páginas com cheiro de gráfica, de imaginar o que estará ao final e de curtir cada letra, nos acompanha desde o berço.... Minha mãe lia um livro do Monteiro Lobato para mim e minha irmã de que até hoje lembro a textura... Infelizmente, muitos de nossos pequenos não tiveram esta experiência, então é nossa luta em sala de aula, contaminar-lhes desta endorfina.... Sei que sua namorada concorda!

Yara, excelente citação, Anarquistas Graças a Deus também me marcou muito! Super considerado, obrigada!!!

Muitíssimo obrigada a todos, deixo a blogséire para amanhã!

Inté!!

quarta-feira, outubro 17, 2007

Enquete

Uma das tarefas mais prazerosas, porém mais difíceis de minha profissão é escolher os tais livros bimestrais... Prazerosa por que fico literalmente pirando nas análises que vamos fazer em sala, nas possibilidades de leituras que eles podem realizar e claro, no prazer absolutamente egoísta de vê-los gostarem de um livro de que EU gosto... Se eu disser que já saí chorando de aulas de texto vocês podem rir da minha cara, mas é real... Ver crianças de quinta série ENTENDENDO o Pequeno Príncipe, tendo altas tiradas ao ler Érico Veríssimo é lindo... Hoje, meus alunos da sexta série buscam interpretar músicas como Construção, Apesar de Você e Para Não dizer que não falei das flores, e isso só é possível pelas leituras que eles fizeram até aqui...

E difícil, claro.... Por inúmeros motivos...

Primeiro pelo velho blá blá blá da competição com a internet. Isso parece clichê mas é real. Ler é tarefa que demanda tempo, calma e paciência... Não tem pop up, não tem vc, tb nem kd. Não tem outras janelas abertas. É uma janela aparentemente solitária, sob a qual eles não querem se debruçar.... É talvez muito ar puro para eles...

Além disso, meu trabalho é dificultado pela milionária indústria editorial para jovens. Só acho livros adaptados (eca), traduções mal feitas ou títulos comerciais... Por que crianças que lêem sei lá quantas páginas de Diário de Princesa são incapazes de entender uma crônica metalingüística? Ou então, depois de acabarem as 500 páginas de Harry Potter me perguntam "pro, quantas páginas tem o livro do Edgar Alan Poe???", desesperados de medo da leitura...

Outra dificuldade em escolher é a escolha em si. Ideal seria que puséssemos à disponibilidade deles uma lista de "sugestões", e que eles mesmos tivessem o senso crítico de escolher o que mais lhe apraz. Como vimos acima, eles iriam pelo número de páginas...

Mas hoje, o que mais me preocupa é que vou escolher livros que serão trabalhados por alguma professora substituta que não conheço... Já pedi à escola que, durante a entrevista, perceba se ela (ou ele) usa o mim corretamente, pois tem sido um árduo trabalho fazer com que os alunos deixem de falar "para mim ler"!! Se quem vier trouxer esse péssimo hábito, serão dois anos na lata de lixo. Mas não posso garantir que a pessoa seja treinada em literatura... Literatura MESMO, por que o que se vê por aí são pencas de professores crentes que PARADIDÁTICO é literatura......

NÃO É!!!!!!!!!!!!

Os livros do segundo semestre eu garanto.... A sétima série, por exemplo, já sabe que vai ler Primeiras Histórias do Rosa e Contos Reunidos dele, dele mesmo..... Machadão! Meu Santo Machado de Assis... Não sou maluca de jogar um Memórias Póstumas ou Dom Casmurro para crianças de 13 anos, mas dá pra começar pelos contos... Não me sugiram a adaptação, que eu infarto...

A quinta, continua com o Pequeno Príncipe no último bimestre, para que eu, pouco controladora, trabalhe em sala...
Também guardei para MIM as Crônicas da sexta série, ufa....
Mas e o primeiro semestre?
Especialmente para a sétima série?

E é aqui que preciso da ajuda de meus leitores queridos.... Você se lembra do que lia aos 13 anos? Eu me lembro que foi o ano em que li Olga pela primeira vez. Depois deste, fiquei louca por relatos de guerra e devorei Anne Frank e um livro sobre o tratado secreto de Hitler e Stalin, mas tenho quase certeza que era a única desequilibrada na sala....
Não me lembro de mais nada...
Ia sugerir Apanhador nos campos de centeio, mas acabei de ver que Mark Chapman matou Lennon por causa deste livro, desisti...
Agradeço a ajuda, já sei que vou passar dias sentada na Cultura à procura, mas gostaria de estar no caminho certo....

Inté!!!

quarta-feira, outubro 10, 2007

Blogsérie: O Funeral, capítulo II



E agora precisava voltar...

Em todos esses anos viu a mãe pelas fotos que esta mandava, na tentativa de retomar a filha perdida para o mundo. Através dela também tinha notícias das irmãs, com quem falava apenas ao acaso, quando atendiam ao telefone da casa da mãe.
Paula se casara aos 18 anos, com um comerciante novo na cidade, vindo de São Paulo, aparentemente rico e amigo dos políticos locais.

Um sonho dourado, pensava ironicamente Sílvia. Aos 24 anos já tinha quatro filhos, uma para cada aparente crise no casamento...

Marta continuava solteira, seguindo suas estritas obrigações com o divino. Devia estar endurecida, amarga, jamais saíra do lado da mãe, de quem cuidou até o último momento.

O pai já se fora há anos. D. Lourdes contava com a presença de Sílvia no enterro, mas justamente naquela semana teve que ir a Brasília, cobrir um escândalo político grande. Todos os jornalistas da revista estavam de olho nesta chance, ela não poderia recusar, muito menos por um morto.

Mas agora era diferente.
D. Lourdes era seu único gancho com todo aquele mundo fictício que havia criado de sua infância. Adiou por anos a visita, e sentia-se culpada por ir apenas agora, quando não mais podia abraçá-la ou sentir seu cheiro de bolo de milho...

Além disso, o movimento na revista estava fraco, não perderia nenhum furo.

-Alô, Marta?

-Não, Paula.

-Paula?... Quanto tempo, é Sílvia.

-Ah, não reconheci. Então, fazemos tudo sem você? É pra isso que ligou? Como fez no enterro do pai?

-Não, se puderem me esperar chego aí no final da tarde. É o tempo de arrumar minhas coisas, dar uns telefonemas e pegar estrada.

-.... Sempre se achando importante, né, Sílvia? Dar uns telefonemas, só você mesmo...

-Não me acho importante, Paula, só que eu tenho emprego, se vou passar uma semana fora tenho que avisar, deixar coisas prontas, ... esquece, esquece.... Chego hoje, tá?

-Uma semana? Você vem pra uma semana? Mas amanhã já é o enterro, pode ir depois....

-Eu sei, mas já que vou até aí, pensei em ficar mais uns dias. Quem sabe conhecer meus sobrinhos, tenho quatro e nem foto deles pude ver. A mãe nunca mandou nada de vocês, só dela.

-Ah, sei....Pena que eles acham que têm apenas a tia Marta, e olhe lá... Aquela vive no genoflexório, parece que pecou a vida toda.... Coitada.

-Bom, então é isso. Até mais tarde.

O clic do telefone parece que a desligou junto. Sílvia ficou imóvel no sofá, quase sem respirar. Por que tudo acabou assim? Por que se odeiam tanto? Paula parece culpá-la por tentar ser feliz, Marta vive em um mundo paralelo e agora ela tem que encarar alfinetadas infinitas, sem imaginar o porquê... Não se lembrava de nada tão grave que as afastasse desta maneira.

Tomou coragem e entrou no banho. Ali pode chorar a morte da mãe, figura ainda querida com quem deixara de conviver. Sentira falta dela em sua formatura, no dia em que comprou o apartamento... Usou a mãe de uma amiga para conselhos de decoração. Sabia que D. Lourdes jamais poderia ajudá-la nisso, mas seria bom que estivesse a seu lado. Quem sabe para fazer uma pequena crítica, que fosse, já seria algo para se lembrar.

Desejou tê-la em casa quando voltou de sua primeira reunião de pauta, na famosa revista onde trabalhava. Chegara tão longe, estava tão orgulhosa. Disse isso para si, mas sentiu-se sozinha.

Suspirou e fechou o registro. Em minutos estava sentada no carro, cabelos molhados e cabeça cheia, medrosa, como se estivesse entrando em um daqueles brinquedos de terror do parque da cidade. A Casa Mal Assombrada...

Durante todo o caminho não parou de pensar nas irmãs. Como a receberiam? Buscava nas boas recordações infantis algum conforto, algo aconchegante para se voltar.

Cinco horas depois avistou a primeira placa, e sentiu o coração pular fora do peito. Eram quase 20 anos.
Ao mesmo tempo, sentiu uma ansiedade boa, uma curiosodade em ver como estava sua cidade natal. Tanto deveria ter mudado...
Logo chegou à praça. Estacionou o carro e desceu. Olhou um velhinho sentado no banco contando os dedos da mão. Sorriu e virou-se em direção à Igreja. Foi quando ouviu:

-Sílvia? É a Silvinha, filha do Romero?

Continua semana que vem... Bom feriado!

Ele voltou!!!



Tem certas coisas que são vícios...
Reais drogas que nos dominam vontades.

Só que algumas são boas!

Eu, por exemplo, sou viciada em livros russos. Do bom, sabe, plantado em solo branco, de preferência envelhecido, tipo em 200 anos. Black Label! Editora 34!

Preciso ser amarrada quando vejo a tarja preta na estante, dá até tremedeira!

O tal vício de chocolate parece que o Romeo deu uma curada, ainda que ontem eu não tenha resistido e o pote de Nutella caiu, arbitrário, no meu carrinho.... Mas enfim...

E, para sorte nossa, Capitão-Mor é viciado em escrever....

Ele até tentou uma temporada em um Re-Hab famoso, só de celebridades, sabe?

Parece que ouviu palestras de viciados como ele, ouviu Ariano Suassuna, Arnaldo Antunes e participou de um workshop com o Scliar himself.

Ouvi até dizer que ele dividiu quarto com a Martha Medeiros, mas não sei se é boato...

De qualquer jeito, ao sair, caiu no mundo real, sabe como é....

Antigas companhias, parece que ele voltou a se encontrar com velhos companheiros de vício... E esse pessoal desses círculos tem todos apelidos do underground, sabe... Freemind, Bolacha Maria, LoiS, e tem uma lá que ouvi dizer que é meio barra pesada, uma tal de Jeca...

Até Rubina tem, mas acho que essa é nome mesmo.

Dizem que voltou ao vício com força total....

E que o que ele mais usa, é Blogsérie....

Vamos ver, qualquer coisa a gente interna ele de novo....

Ou não.....

inté!!!

terça-feira, outubro 09, 2007

40 anos... Morre um homem, nasce o mito




Difícil falar de mito....
Mircea Eliade tem livros e livros acerca do tema, quem sou eu, jeca limítrofe, para escrever sobre assunto tão vasto e complexo.
Mas ainda assim, sinto que muitos não entendem o conceito.
Acham que vestir uma camisa com a foto do Che é identificar-se integralmente com sua ideologia, com suas técnicas ditatoriais e com a situação atual de Cuba. Acham que quem usa a camisa vermelha manchada com o rosto sério, de queixo erguido e olhar doce, porém decidido, defende a guerrilha, a URSS e Trótsky.

Eu não acho.

Não identifico o mito Che Guevara com o decrépito e megalômano do Fidel Castro. Não vejo na camiseta e no símbolo kitsch uma busca de ideologias passadas, da foice e do martelo.

E talvez por um motivo.... Ele morreu...

Se fosse vivo, se tivesse insistido em sua luta soviética, estaria tão ridicularizado quanto seu compañero falador. Ultrapassado, marcado pelo tempo, pela roda política que triturou Cuba. Se fosse vivo, talvez a Veja nem precisaria tentar derrubar o mito com fatos históricos... Sentiríamos o tal cheiro de rim fervido que diziam que ele exalava.

Não sei até que ponto ele morreu por um sonho ou por egolatria ideológica. Não sei se sua intenção ao lutar na Bolívia e no Congo era sincera ou apenas uma fuga de sua já pouca influência na ilha da salsa.

Não sei....

Só sei que ao morrer, milhares de jovens criaram dele um mito de luta, de sonho e ideal, coisas que hoje em dia tanto nos faltam. Ao vê-lo morto e limpo como um Cristo, a geração pós hippie se agarrou a uma imagem que intuitivamente, sabia que não viria mais.
Acabaram-se as ilusões, acabou o flower power...
Nos restou um olhar em uma camiseta....

Que mal há nisso?

Nenhum.... Acho lindo a cara dele na bunda da Gisele Bündchen. Acho lindo saber que há uma loja na Vila Madalena que faz macacõezinhos de bebês com a foto de Korda.

E, pela força do mito, pela força do olhar, podem ter certeza: vou ninar o Romeo ao som da música, hasta siempre comandante.....

Hastá!!!!

sexta-feira, outubro 05, 2007

Belezas da gravidez...

Tão idílico, né?
Ficar grávida, ficar mais bonita, mas feliz, radiante...
Talvez no tempo em que a mulherada não tinha que correr de um lado para outro, cheia de tarefas e prazos, isso fosse 100% verdadeiro.
E ainda mais, no tempo em que mulher agüentava quietinha alguns dos sintomas que hoje nos deixam meio malucas.

Eu sou até que uma felizarda, não posso reclamar de nada... Não enjôo, não tenho sono, desejo nem repulsa por nada....

A barriga, como bem me contaram, apareceu de repente, como se um melão tivesse sido engolido inteiro, à noite. Terça feira era uma... Hoje, TODOS no trabalho, até professoras do infantil, com quem nunca converso (por falta absoluta de tempo) comentaram que ela apareceu! Redondinha, pequena mas redondinha. Cinco meses, estava na hora, né?

Entretanto, nem tudo são flores!
Esse post é até meio nojento, se você sofre de frescurite, ou acredita que mulher não faz "essas coisas", saia da sala. Ou melhor, corra lá no Gastón, na Rubina, na MC ou na Carol, que estão com posts novos hoje! Você pode se chocar...

Uma das primeiras contra indicações da gravidez é o tal intestino preso. Não, também não sofro deste mal, mas a região sul está bem afetada......
Ontem, enquanto lia no trono real meu livro "O que esperar quando você está esperando", li a palavra "hemorróidas".
Doeu...
Não no coração, ou na ansiedade do "será que eu vou ter?"
Ali mesmo. Onde tem que doer. Parecia uma facada, uma agulhada ou um.... rasgo!

Puta vida, viu, foi abrir na página da tal fissura anal que ela apareceu! Como diz minha depiladora, "grávida não pode olhar para boi que o bebê nasce chifrudo".
Eu repito que isso é folcore, lenda do sertão, mas ela bate o pé, que ela conhece um que é o filho do Demo e que minha barriga não crescia por que o Romeo está "nas cadeiras"... Ou seja, nas costas. Nem adiantou a aula de anatomia que eu dei, enquanto ela puxava cera do mesmo lugar que hoje dói, ela garante que é batata!

O papel cheio de sangue? Praga dela....

Outro sintoma desagradável que vem me perturbando é o "inchaço da mucosa nasal", ou, como é vulgarmente conhecida, caca no nariz.

Geralmente uma assoada de manhã me resolve o dia, sou bem liberada nesse quesito, mas, talvez por carregar um mini-macho no ventre, já venho adquirindo a terrível necessidade socialmente deplorável de cutucar o nariz!

Ai, eu sei que é feio falar disso, que tenho uma imagem a zelar, que minhas alunas adolescentes lêem esse blog e vão ficar prestando mais atenção em mim na aula, para ver se me pegam, mas é a verdade, pura e simples. Incomoda! Não dá pra ficar sem arrumar o salão.

Como sou razoavelmente educada, não saio andando com o dedão no nariz, mas outro dia me aconteceu algo inimaginável para qualquer dama....

Meu condomínio fica em uma estrada pouco movimentada. Lá vinha eu, linda, em um belíssimo fim de tarde, dirigindo pela estrada afora. Janela aberta, e de repente sinto um obstáculo interno à efetiva respiração! Entretida com Erykah Badu de fundo musical, sem papel higiênico à mão, fui chamada à limpeza. Devo dizer que sou menina, e menina cutuca nariz com feminilidade, sem enfiar o dedo no cérebro.
Só que naquele justo momento, um carro com dois rapazes me ultrapassou, e o carona teve a chance de se vingar por toda raça masculina que ouve a namorada xingar e criticar tal hábito.
Rindo, ele imitou meu gesto e me chamou de porca!!!!!

Eu só pude rir junto!
Não estou tão hormonal a ponto de persegui-lo, berrando "eu estou grávida seu filho de uma égua, a porra do meu nariz entope, meu cu dói, eu estou gorda e você ainda vem me chamar de porca???? Vá pra p...."

Não dizem que rir é o melhor remédio?
Tomara que cure hemorróidas também....

Bom final de semana!

Inté!!!

quarta-feira, outubro 03, 2007

Blogsérie: O Funeral

O desafio do Capitão-Mor está aceito. Mas devo lembrar que nossa blog-série juntos tinha como ignição a excelência de seu pensamento, que eu apenas continuava, como um cachecol de tricô. Como sou capricorniana e cabeça dura, vou tentar alcançar um mínimo da qualidade do que fizemos em Férias em Natal... Só não prometo......
Enjoy the ride.


Foto: Olhares.com


Ainda era muito cedo, e ela não tinha pregado os olhos. O telefonema da noite anterior chacoalhara fantasmas que estavam tão bem ali, adormecidos, praticamente esquecidos.

-Mamãe se foi. Você vem?

Não ouvia a voz de Marta há cinco anos, e subitamente ela ressurgia, cheia de lodo, como se viesse do fundo de um túmulo lembrá-la de que não era sozinha no mundo.
Preferia assim, sozinha, independente...
Marta nunca fora companhia. Nem ela nem Paula. Cresceram ouvindo D. Lourdes berrar que tinham que ser amigas, pois eram irmãs. Deus as botara naquele mundo quente para serem amigas.
Sílvia imaginava esse tal Deus como uma imensa galinha, "botando" ela e suas irmãs no meio daquela cidade, em frente à Igreja Matriz.

-Não repita isso, menina, é pecado! Ele castiga!
-Castiga como? Bica?

D. Lourdes saía secando as mãos no avental, resmungando, desolada:

-De onde veio essa? Tão diferente de nós...

Sílvia nada mais fez que dar razão à sua mãe. Sabia que era diferente, e guardava certo orgullho disso. Quando rasgou seu uniforme de coroinha, costurado com tanto sacrifício pela tia Berta, causou algo próximo ao Apocalipse na cidade. A mãe desmaiou, Paula ria no canto e a caçula Marta rezava ajoelhada em seu altar de plástico. A recordação mais marcante que Sílvia tinha era do som que o cinto de seu pai emitiu, ao ser arrancado da calça.

Sangrou, sangrou por horas, sem permitir uma lágrima exposta.
Naquele dia soube que iria embora, para nunca mais.

Foi apenas uma questão de tempo. Flutuou entre aquelas pessoas por mais 10 anos, alheia a quase tudo que ali acontecia.
Sentia um carinho triste e fosco pela mãe, em cujos olhos percebia a frustração pela filha doente que tinha. Não podia ser normal, a pobre Sílvia. Só podia ser doente. É. Doente.

Acabou a escola aos 17 anos, e em um sábado pela manhã, desceu com sua única mala para a cozinha, onde aquele grupo de familiares devorava o café da manhã de sempre. Sílvia olhou a mesa, prometeu-se jamais, em sua vida, comer bolo de fubá e biscoito de nata novamente e comunicou:

-Já vou.

Não viu resistência. Paula se arrumava para a missa, maquiada, penteada, pronta para encontrar o filho do dono do Correio da cidade, com quem dizia que se casaria. O pai encheu a boca de bolo e resmungou algo que nunca soube.
Marta levantou os olhos e docemente disse à irmã que rezaria por sua alma, tão perdida e confusa.

-Perdida posso estar, sim. Mas confusa nunca estive.

D. Lourdes levantou-se, única preocupada com a filha e perguntou para onde ia. Precisava de algum trocado para ônibus? Podia sair assim, sem ter 18 anos? Não iria para casa de tolerância, não, não é? O que pensariam da família? Não, para casa de tolerância ela não podia ir.

-Calma, mãe, vou para São Paulo. A Regina foi morar com a tia, e tem um lugar para mim lá. Não se preocupe.

Andou sozinha até a rodoviária, entrou no ônibus e, pela primeira vez em 17 anos sentiu-se verdadeira.

Apavorada, mas verdadeira.


Continua semana que vem. Quinta feira?

Inté!!

segunda-feira, outubro 01, 2007

Diálogo

Diálogo real, em uma igreja pelos interiores de São Paulo:

Padre:
"O que Deus uniu, o homem não separa!"

Madrinha, baixinho, por trás do Pároquo:

"O homem não, mas um bom advogado...."

Inté!!

Vale a pena ver de novo???

Eu há muito tempo desisti das novelas. Aprendi que dá pra sacar o que rola lendo as manchetes do site da Globo. Não assisto há anos, e ainda acho que nada se comparará jamais à Roque Santeiro ou Tieta.
Então acabou a graça.
É como visitar Praga antes de conhecer o resto da Europa, estraga o que está por vir...

Fico um ser flutuante em algumas conversas, não sei qual é a frase da moda, não sei qual o figurino que pegará nem vou me ofender se alguém me chamar de nome de vilã....

Mas nem sempre consigo minha capa de proteção anti-remédio-de-massas.
Justamente neste sábado, um dia depois do tal último capítulo, em que iam desvendar que matou Odete Roitman (foi esse, não foi?) tive um almoço com 4 senhoras acima de 80 anos.
Uma delas me cercou (literalmente) e, convencida de que eu perdera APENAS o final, me desfiou uma rede de nomes e circunstâncias que não faziam o menor sentido para mim. Por educação fiquei ali, vendo seus lábios se mexerem, esperando ansiosamente seu último suspiro para eu pegar minha torrada com coalhada que deitava-se à minha frente.....

"Fulano era filho do Ciclano, que soube pelo Beltrano na ambulância, por isso o Mané matou a Joana, para ficar com a herança de Asdrúbal, que transou com a secretária e teve um filho bastardo."

E por aí foi.... Ao acabar o relato de todos os capítulos da novela, a senhorinha me olhou com ar triunfante, feliz por ter me prestado o serviço de aliviar minha frustração por ter perdido o final.

"Mas você pode ver hoje, ainda, tem o reprise"
"Então, eu não vejo a novela... Nunca vi sequer um capítulo."
"..... ah..... então nem adianta, esse pessoal que não acompanha, chega no último capítulo e não consegue entender mesmo...."

Ufa, coalhada.....

Inté!!!