quinta-feira, outubro 25, 2007

Blogsérie: O Funeral, capítulo IV

-Nelson? Como assim, "Nelson"? Por que vocês estão os dois aí parados com essas caras? Hein?? Fala, Sílvia? Nelson, que foi? Fala!!

Paula já estava parada entre os dois, virando a cabeça ora para a irmã, ora para o marido, que ainda segurava a maçaneta.

-Alguém vai falar o que está acontecendo? Nelson? Olha pra mim! Você conhece minha irmã?

Sílvia resolveu quebrar o silêncio e respondeu que Nelson havia sido seu colega no primeiro ano da faculdade, mas que logo largou.

-Eu sabia que ele tinha se mudado pro interior, mas não sabia que era pra cá. Já faz tanto tempo, assustei-me com a coincidência, foi só.

Paula olhou desconfiada para o marido, que a essa altura retomava o fôlego do susto abrindo a pasta de documentos da sogra.

-Vão levar sua mãe para o velório municipal amanhã às 8 da manhã. Agora só podemos descansar, não se pode fazer mais nada.

Sílvia encotrou o olhar astuto de Marta, que assistira à cena da porta da cozinha. Ofereceu-se para ajudar no jantar, e logo estavam as três sozinhas, preparando as coisas. Paula parecia mais calma, mas ainda não estava convencida de que aquele encontro tão tenso tinha sido apenas de dois ex colegas de sala. Entretanto, parecia não querer investigar mais naquele momento.
Foi Marta que retomou a conversa.

-Mamãe sentia muito sua falta, Sílvia.

-Pois é, sentia mesmo, nunca soube o porquê... Eu dizia a ela que você partiu por que quis e que deveria ser muito mais feliz longe dela, então pra que saudades.

-Eu também sentia saudades. Dela, sentia muito a falta dela. E não me preocupo com o que você dizia a ela, Paula, ela sabia que eu a amava. Era minha mãe, pombas, e a única que parecia se importar comigo, lá longe.... Por que vocês nunca quiseram ir me ver em São Paulo?

-Ah, Sílvia, não dá, eu detesto São Paulo. Além disso teria que ir em final de semana, e é quando tenho mais tempo de ajudar na Assembléia.

-Odeia São Paulo? Mas Marta, você nunca saiu desta vila! Desculpem, desta cidade!

-Você não muda, né, Sílvia? Continua achando que é melhor que todos na cidade. Vila..... Pelo menos estamos mais seguros, todos se conhecem...

-É, esse "todos se conhecem" é o que me assusta... Mas enfim, não quis menosprezar, Paula, me desculpe.

-Ai, Paula, que seguros que nada! Outro dia, Sílvia, um moço lá da Assembléia matou a filha e a ex mulher. Depois deu um tiro na cabeça, uma coisa horrível. Não estamos seguros em nenhum lugar, só Nele.

-E você Marta? Não tem namorado, noivo, amigo, sei lá?.... Um paquera?

Paula riu com sarcasmo, levantou-se com uma bacia de batatas descascadas e encostou-se à pia. Sílvia pôde ver que a irmã, mais nova que ela, estava muito mal cuidada. Sempre fora tão linda, a mais bonita das três, e agora parecia-se com D. Lourdes. Sentiu pela amargura da irmã, que franzia o cenho e só sorria por ironia. Uma pena. Enquanto jogava as cascas no lixo, continuou rindo da vida amorosa da caçula.

-Sabe Sílvia, até que seria mesmo bom você levar Marta pra São Paulo! Quem sabe assim ela punha um pouco as partes de baixo pra trabalhar, hahaha, essa aí se bobear ainda é virgem. Está esperando o homem certo, véu e grinalda pra ser feliz... Diz que só dorme com homem se estiver casada! Já falei pra ela que não precisa dormir, acaba o que tem que fazer e volta pra casa. Dorme sozinha! Uma tonta, é isso que ela é.

Sílvia observou Marta enrubescer de raiva, enquanto desfiava a galinha dos fundos. Teve pena da galinha. Não esperou a reação que viu na irmã.

-Bom, Paula, pelo menos eu não precisei casar correndo com o primeiro paulista que apareceu, antes que ele descobrisse que eu já rodei a cidade toda. Sabia, Sílvia, no dia que o Nelson chegou de mudança a Paula já foi lá, levar bolo pra mãe dele, toda receptiva. Fez que fez e logo estava grávida do Rodrigo. Coitado do Nelson, não teve escolha!

Paula não escondeu a raiva, ainda mais por ter que dividir isso com Sílvia. Orgulhosa, secou as mãos no vestido florido e ao passar pela irmã, sussurou entre dentes:

-Hipócrita. Bem que você queria ter um marido pra apagar esse teu fogo à noite. E cuidado viu? Se não casar logo, fica seca! Vai morrer sem filhos, sozinha!

Sílvia levantou-se chocada, não podia acreditar que os ânimos não haviam mudado nada em 20 anos. Estavam ainda piores.

-Eu não acredito que nada mudou! Não acredito! Marta, eu sei que é sua escolha, mas você não pode viver em função Dele! Minha irmã, a vida é mais que isso, queria muito que você visse! E Paula, nunca conheci alguém tão amargo quanto você. Você põe esta pose de durona, de mulher de família, mãe de quatrto lindos filhos, mas vem cá: você falou de felicidade, mas você é feliz? Fala de verdade, você É feliz?

Paula a olhou por cima do ombro.

-Só você adquiriu esse direito, no dia em que fez as malas.

Pela primeira vez na vida Sílvia não sabia o que falar. Percebeu que Marta chorava, e foi abraçá-la.

-É, também sinto falta de mamãe....

Enquanto consolava a irmã, percebeu que Nelson estava encostado na porta que dava para o quintal dos fundos. Fez com o olhar um sinal para que o seguisse e saiu de vista. O sol se punha e Sílvia não sabia se aguentaria mais emoções naquela tarde.

-Vai tomar um banho, vai, Marta, deixa que eu termino o jantar. Vê se a Paula está bem, faz as pazes com ela, vai, pelo menos hoje...

Sozinha na cozinha, Sílvia olhou para o quintal de barro que guardava as tão bem cuidadas galinhas da mãe.
Aproximou-se da porta de tela e abriu-a.



Continua semana que vem, véspera de feriado de finados... que melhor dia para um funeral literário?

Inté!!

7 comentários:

MH disse...

Nossa,está melhor a cada capítulo!! E já li esse, o que quer dizer que faltam 7 dias pro próximo... passa, tempo, passa, tempo!
beijo

Ana Carolina disse...

O tempo tá corridíssimo... mas arrumei um tempinho... rsrsrsrs
Cada vez mais empolgante!!!
Beijos!

Rubi disse...

Continuo a perguntar o mesmo. Quem será esse Nelson...lol...

Capitão-Mor disse...

Muito bom...

UrbAnna disse...

Está ótimo!
Aguardo anciosa pelas cenas do próximo capítulo...
Beijo

mc disse...

Ah, fala sério! Não quero esperar até quinta que vem!

Protesto!

coco disse...

Un besazo.