quarta-feira, outubro 10, 2007
Blogsérie: O Funeral, capítulo II
E agora precisava voltar...
Em todos esses anos viu a mãe pelas fotos que esta mandava, na tentativa de retomar a filha perdida para o mundo. Através dela também tinha notícias das irmãs, com quem falava apenas ao acaso, quando atendiam ao telefone da casa da mãe.
Paula se casara aos 18 anos, com um comerciante novo na cidade, vindo de São Paulo, aparentemente rico e amigo dos políticos locais.
Um sonho dourado, pensava ironicamente Sílvia. Aos 24 anos já tinha quatro filhos, uma para cada aparente crise no casamento...
Marta continuava solteira, seguindo suas estritas obrigações com o divino. Devia estar endurecida, amarga, jamais saíra do lado da mãe, de quem cuidou até o último momento.
O pai já se fora há anos. D. Lourdes contava com a presença de Sílvia no enterro, mas justamente naquela semana teve que ir a Brasília, cobrir um escândalo político grande. Todos os jornalistas da revista estavam de olho nesta chance, ela não poderia recusar, muito menos por um morto.
Mas agora era diferente.
D. Lourdes era seu único gancho com todo aquele mundo fictício que havia criado de sua infância. Adiou por anos a visita, e sentia-se culpada por ir apenas agora, quando não mais podia abraçá-la ou sentir seu cheiro de bolo de milho...
Além disso, o movimento na revista estava fraco, não perderia nenhum furo.
-Alô, Marta?
-Não, Paula.
-Paula?... Quanto tempo, é Sílvia.
-Ah, não reconheci. Então, fazemos tudo sem você? É pra isso que ligou? Como fez no enterro do pai?
-Não, se puderem me esperar chego aí no final da tarde. É o tempo de arrumar minhas coisas, dar uns telefonemas e pegar estrada.
-.... Sempre se achando importante, né, Sílvia? Dar uns telefonemas, só você mesmo...
-Não me acho importante, Paula, só que eu tenho emprego, se vou passar uma semana fora tenho que avisar, deixar coisas prontas, ... esquece, esquece.... Chego hoje, tá?
-Uma semana? Você vem pra uma semana? Mas amanhã já é o enterro, pode ir depois....
-Eu sei, mas já que vou até aí, pensei em ficar mais uns dias. Quem sabe conhecer meus sobrinhos, tenho quatro e nem foto deles pude ver. A mãe nunca mandou nada de vocês, só dela.
-Ah, sei....Pena que eles acham que têm apenas a tia Marta, e olhe lá... Aquela vive no genoflexório, parece que pecou a vida toda.... Coitada.
-Bom, então é isso. Até mais tarde.
O clic do telefone parece que a desligou junto. Sílvia ficou imóvel no sofá, quase sem respirar. Por que tudo acabou assim? Por que se odeiam tanto? Paula parece culpá-la por tentar ser feliz, Marta vive em um mundo paralelo e agora ela tem que encarar alfinetadas infinitas, sem imaginar o porquê... Não se lembrava de nada tão grave que as afastasse desta maneira.
Tomou coragem e entrou no banho. Ali pode chorar a morte da mãe, figura ainda querida com quem deixara de conviver. Sentira falta dela em sua formatura, no dia em que comprou o apartamento... Usou a mãe de uma amiga para conselhos de decoração. Sabia que D. Lourdes jamais poderia ajudá-la nisso, mas seria bom que estivesse a seu lado. Quem sabe para fazer uma pequena crítica, que fosse, já seria algo para se lembrar.
Desejou tê-la em casa quando voltou de sua primeira reunião de pauta, na famosa revista onde trabalhava. Chegara tão longe, estava tão orgulhosa. Disse isso para si, mas sentiu-se sozinha.
Suspirou e fechou o registro. Em minutos estava sentada no carro, cabelos molhados e cabeça cheia, medrosa, como se estivesse entrando em um daqueles brinquedos de terror do parque da cidade. A Casa Mal Assombrada...
Durante todo o caminho não parou de pensar nas irmãs. Como a receberiam? Buscava nas boas recordações infantis algum conforto, algo aconchegante para se voltar.
Cinco horas depois avistou a primeira placa, e sentiu o coração pular fora do peito. Eram quase 20 anos.
Ao mesmo tempo, sentiu uma ansiedade boa, uma curiosodade em ver como estava sua cidade natal. Tanto deveria ter mudado...
Logo chegou à praça. Estacionou o carro e desceu. Olhou um velhinho sentado no banco contando os dedos da mão. Sorriu e virou-se em direção à Igreja. Foi quando ouviu:
-Sílvia? É a Silvinha, filha do Romero?
Continua semana que vem... Bom feriado!
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7 comentários:
Oba!!Essa vou acompanhar!!
Beijooo
Carol Escandura
Mas tá ficando interessante...
beijinho...
Bom feriadão minha querida!!
Estou verdadeiramente apaixonado....pela sua escrita! :)
A sua composição de personagens femininas é simplesmente fantástica.
Por acaso você antecipou-se um pouco, porque até já tinha pensando em mais um dueto Capitão Mor vs Tati para uma blogsérie de regresso. Mas temos muito tempo pela frente, não é verdade?
Bom feriado!
Muito bom Tati. Beijo
Carol, acompanhe sim, mas quando puder, leia a Férias em natal, é um xodó...
Carol, ´valeu cherrie....
Capitão! vou acabar esta em 4 ou 5 capítulos, então adoraria fazer uma com você!!! Quam sabe um dia concretizamos nosso plano de publicar um livro?.....
Rubina, obrigada, acompanhe, sim?
beijos
O duro é esperar até quinta pra continuar a história.
Ó, maior apoio pra esse plano do livro aí de cima, viu?
beijo!
Oi Tati! Eu acompanhei a outra...me perdia de vez em quando, porque demorava a voltar...
Mas li tudo e adorei!!
Beijos
Carol Escandura
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