A volta a Portugal foi tortuosa. Rita chegou em casa e encontrou um Luís carinhoso e prestativo, com culpa estampada na testa. Ela estava disposta a se separar, contou a ele que sabia de suas infidelidades, e viu-o empalidecer. Luís ficou atônito. Sua primeira reação foi negar tudo, chamar Lúcia de mentirosa, atacar Fonseca. Vendo que a esposa não amolecia, resolveu tentar inverter a situação.
-Rio, hein? Encontrou por acaso Adriano? Eu sabia, sabia que na primeira oportunidade tu corrias ao Brasil a visitar aquele índio!
-Nem tente ir por aí, Luís. Nem tente. Já passei há tempos dos 15 anos, isso não funciona mais.
Discutiram dias, Luís enfim chorou, pediu perdão, prometeu fazer terapia, e usou seu último recurso: a chantagem.
-Não acredito que vais jogar uma relação tão longa pela janela. Pense, amor, em tudo que vivemos juntos, isso é apenas um momento ruim, tenho certeza que seremos melhores depois que superarmos. Por favor, eu simplesmente não vivo sem ti, nem saberia por onde recomeçar.
Rita se sentiu tocada pela história que tinham. Tinha sentimentos confusos, mas achava que devia pelo menos tentar, afinal, os anos que viveram haviam sido felizes, quem sabe ele realmente poderia mudar.
Assim foram reconstruindo aos poucos a relação, buscando curar a ferida enorme que Rita levava. Luís agia impecavelmente, não saía tanto com Ferreira, a acompanhava ao teatro, tentava ler os livros que ela lia. Ela, por sua vez, trabalhava para esquecer. Vivia na Universidade, se entregava às aulas e palestras. Sabia bem que perdoar não era o problema, mas esquecer, sim. Suas conversas com Luís sempre se mesclavam à desconfiança. Se ele saía com os amigos, ela ficava aflita, e sempre achava que ele mentia em alguma coisa.
Na Universidade, sentia-se livre, diferente. De sua sala, comunicava-se pela internet com Diego. No último dia de aula, próximo ao Natal, recebeu um e-mail dele dizendo que seu intercâmbio com a Universidade havia sido transferido para o outro ano letivo, pois o professor que iria ao Brasil falecera. Ele perguntava se podia telefonar, que queria escutar sua voz, mas Rita não respondia. Tinha medo de ouvi-lo, não era o momento para isso. Seu casamento ainda sangrava, e sabia que qualquer pancada acabaria com ele. Falar com Diego não seria uma pancada, seria um tiro...
Passou o Natal aliviada. Tinha achado bom Diego não vir mais, pelo menos por ora.
Com o passar do tempo, foi se reaproximando de Luís, e a rotina voltou ao normal. Ainda se perguntava se havia tomado a decisão certa, se não estaria agindo exatamente como Lúcia, mas logo afastava a hipótese. Eram diferentes, Lúcia aceitava Fonseca por conveniência, Rita ainda se apegava à possibilidade de amor.
Passaram-se meses, e aos poucos o episódio foi ficando para trás. Rita até aceitava melhor a presença do quarteto, e ficou feliz ao saber que Reis se casaria de novo. Afinal de contas, Sónia se mudara com os filhos para o Rio, onde morava com Fred. Rita sentiu pena de Reis, que adorava as crianças agora as veria apenas duas vezes por ano. Um casamento certamente o animaria, ainda mais com a tal deusa brasileira.
Rita ainda não a conhecia. Sempre que mencionava Reis, ela perguntava a Luis quando sairiam juntos, afinal, já sabia que seriam padrinhos de casamento do par. Luis ficava de marcar um jantar, mas nunca dava certo.
-Eles estão aninhados, Rita, não vêem a hora de casar, esquecem-se até dos amigos.
Lisboa, 15 de agosto.
Os casais de padrinhos estavam alinhados à porta da cerimônia, prontos para entrar. Rita estava lindíssima, com um vestido verde que mostrava seu colo, ornado com um lindo colar de strass. Prendera os cabelos no alto da cabeça, deixando apenas alguns cachos pendentes. Era uma cerimônia simples, mas por algum motivo, Rita queria se sentir especialmente bonita.
-Não gosto nada disso, Luís, é estranhíssimo ser madrinha de uma noiva que nem conheço. Não entendi por que até agora não nos vimos.
-É, mas não deve ser por nada, afinal, todas as festas de despedida dela foram feitas em Natal, pois a maioria das amigas não pôde vir. Tenho certeza de que logo estarão à vontade.
Rita e Luís ficaram de frente a Ferreira e Constança, que foram padrinhos de Patrícia, a brasileira misteriosa que de repente mudou a vida de Reis. Rita fitou Constança por uns instantes, pensando em tudo que sabia sobre o marido dela. Não eram muito amigas, mas sentiu-se triste por ela. Ficou imaginando se Constança sabia, como Lúcia, ou se preferia acreditar nas desculpas de Ferreira e seguir adiante. Ouviu, então, a música de entrada da noiva, suspirou e voltou de seus pensamentos.
Ao vê-la entrar, braços dados com o pai, Rita surpreendeu-se com a beleza da moça. Morena, contrastava com o tecido branco do vestido, e segurava um lindo buquê de rosas vermelhas. A brasileira olhou para Reis, fixou nele o olhar e seguiu confiante até o altar.
Ao chegar ali, deu as mãos ao noivo, e pôde então, contemplar quem estava em volta.
Rita pareceu, naquele instante, flutuar sobre seu próprio corpo. Em uma fração de segundo, sentiu que Luís suava mais do que de costume. A mão que segurava a sua pareceu, de repente, gelada e molhada. Olhando a noiva, percebeu algo que só as mulheres parecem conseguir perceber. O olhar de Patrícia se deteve rapidamente em Luís, de maneira nervosa. O sorriso deixou por um segundo de ser espontâneo, e a noiva logo o transferiu para Rita. Nela, se demorou um segundo a mais. Voltou a sorrir um sorriso estranho. Patrícia então respirou fundo e voltou-se para o noivo, novamente feliz, sorrindo com o olhar.
Rita virou-se para o marido, e ele a olhava com um rápido movimento dos olhos, como se quisesse fugir dos olhos da esposa. Também respirou fundo e fez, com a cabeça, um movimento para Rita prestar atenção na cerimônia, que já começava.
Não conseguia mais. Não escutava as palavras, a música, ninguém. Pensou em Constança. Não estava triste pela companheira de altar, mas por si mesma. Era ela quem queria acreditar no marido.
Em meio a essa tormenta de pensamentos, viu-se caminhando para o pequeno salão onde serviriam um almoço combinando cardápios portugueses e brasileiros. Luís não se afastava, e percebia que algo em Rita estava diferente.
-Vou ao banheiro, já volto, disse ela, querendo sair de perto dele para poder respirar melhor.
Lavou o rosto, apoiou-se na pia e uma convidada brasileira perguntou a ela se passava bem.
-Sim, sim, obrigada. Só estou um pouco tonta, mas não é nada.
Em seguida, outra amiga da noiva entrou e as duas começaram a conversar.
-Lindo né? Nossa, a Pati está maravilhosa!
-Ai, eu chorei quando a vi de noiva! Eles estão tão apaixonados, né?
-Pois é, menina, e foi tudo tão rápido!
-E pensar que ela veio atrás daquele outro lá, o casado...
-Nem fale, Lucas, né?
-Não, Luís. Lembra, ela falou pra gente quando saiu com ele no Brasil.
-Ah, é, verdade. Imagina, ela é louca, pegar um avião e vir até aqui atrás de um cara. E ainda por cima chegar e descobrir que o safado é casado.....
-Bom, pelo menos deu tudo certo... Ela e o Reis fazem um casal lindo...
Rita ficou com medo de vomitar. Sentiu o coração pular no peito, como se fosse cair fora dele. Mal conseguia respirar e não tinha mais lágrimas...
Ficou ainda um tempo apoiada na pia, olhando-se no espelho, raivosa e triste consigo mesma.
Ao sair do banheiro viu Luís a esperando na porta.
-O que houve? Fiquei preocupado.
-Quando ias me contar que ela era um caso seu?
-Caso meu? Quem?
-Chega... Chega, Luís. Quero ir embora. Vamos, diga a Reis que estou tonta, não sei, diga qualquer coisa, estarei no carro.
-Não, não podemos sair assim, somos padrinhos dele!
Rita se aproximou e disse baixo, olhando fixamente para o marido.
-Diga que tua mulher descobriu que a mulher dele veio a Portugal atrás de ti.
Luís ficou calado.
-Estarei no carro.
Lisboa, Outubro
O outono chegou em Lisboa, e Rita se arrumava no apartamento novo. Mudara-se para um prédio mais perto da Universidade, pois Luís se recusava a sair de casa. Rita saiu sem brigas. Deixou-o falar sozinho, dias a fio, até que tivesse tudo pronto para ir.
-Não quero mais discutir, Luís. Não consigo mais confiar em ti, sem confiança não temos relação... Se tu não sais saio eu, acho que um dia poderemos até ser amigos, mas agora, eu só quero ficar sozinha.
Durante os meses que se seguiram, Rita organizou sua vida. Continuou focada no trabalho, viu as amigas e ficou mais tempo com sua mãe. No final dos dias, voltava para casa, e se dedicava a organizar sua biblioteca.
Antes que percebesse, era Natal. Passou-o em Paris com duas amigas, e lá ficaram até o Ano Novo.
De volta das férias, recebeu um e-mail de Diego. De repente tudo voltou a sua mente. Um ano! Havia se passado um ano, e agora Diego viria a Lisboa para seus três anos de intercâmbio. Nesse período tinham trocado mensagens, e conversaram por telefone algumas vezes. Mas sentia-se segura, por estarem tão longe. Em uma semana isso acabaria. Ele estaria ali, no mesmo prédio da universidade que ela, dando aulas nos mesmos corredores. Uma semana... Sabia que passaria muito mais devagar que o ano todo.
15 de janeiro, Saguão do Aeroporto da Portela
Rita estava nervosa, em frente à porta do desembarque. O vôo vindo do Rio já estava em solo, e cada vez que a porta se abria, seu coração batia forte.
Ficou ali por 20 minutos, quando de repente avistou Diego empurrando o carrinho cheio de malas. Ele parou, atrapalhando quem vinha atrás. Rita mal sentia as pernas, e sentiu-se ruborizar ao ver que ele parara para a admirar, como se buscasse a certeza de que a via, depois de tanto tempo. Aquele sorriso, aquele olhar maroto que a deixara com um beijo no Galeão, mais de um ano antes.
Finalmente ele se aproximou, e antes de abraçá-la, ainda a fitou por alguns minutos, calado.
Rita já ficava sem graça, quando ele disse:
-Linda... Mais linda do que na minha lembrança...
Abraçaram-se e Rita começou a ajudá-lo com o carrinho.
Diego a puxou contra si e ela sentiu que sua respiração acelerava. Lembrava-se bem daquela noite no píer do restaurante, e voltou a corar.
-E agora? Perguntou ele
-Agora quê? Agora levo-te a teu prédio, depois podemos almoçar.
-Não, agora que estou aqui. Agora que vim pra ficar. Quero saber se você vai estar muito ocupada nos próximos três anos.
Rita alisou os cabelos de Diego, desceu os dedos por sua face, e muito serenamente respondeu:
-Posso te garantir que hoje minha agenda é toda sua. E amanhã talvez. Depois de tudo, só o que posso prometer é um dia depois do outro, que tal?
-Um dia depois do outro? Está bem. Um dia depois do outro é bom.
E caminharam abraçados, empurrando juntos a bagagem para a porta da saída.
FIM!
16 comentários:
Lindoooo. O Luís mereceu. E ela ficou feliz...lol..Adorei Tati
S-E-N-S-A-C-I-O-N-A-L!!!!!!!!
Adoreiiiii! Parabéns Tati! Ficou muito lindo, muito apaixonante o fim dessa estória... Tomara que venham mais e mais, para podermos nos deliciar com as palavras que nos fazem imaginar e acreditar!
Beijos!
Carolzinha
Que bom! A Rita vai ter a possibilidade de ser feliz com um homem que a respeite.
Tenho gostado muito da forma como escreves e descreves as pessoas, os sentimentos e os ambientes. Tem sido fantástico! Só é pena ter chegado ao fim. Não queres escrever uma história tua?
Beijinhos
meninas, obrigada, de coração. Sei que as minhas leitoras gostarão mais do final do que meus leitores homens, rsrsrs
Sobre escrever outras, pode bem ser, pois gostei demais de me envolver com as personagens, mas uma longa dissertação de mestrado me chama, quem sabe depois dela...
Mas a Jeca não pára, os posts continuam, e espero vê-las sempre por aqui!
Beijos
Clap,clap,clap! Um final fantástico sem sombras de dúvidas. Acredite que já sinto saudades destas persongens, numa sensação de pai que vê os filhos partir! :)
Na próxima blogsérie ainda não sei se serão as mesmas personagens. Talvez os nomes se repitam, mas tenham comportamentos diferenciados...
Mais uma vez o meu agradecimento por ter aceite o meu desafio.
UFAAAAAAAAAAAA!!!
Se a Rita tivesse continuado com o Luís eu teria dificuldades pra dormir essa noite!!!
Sabe... Não acho que fidelidade é o mais importante numa relação. Acho que o mais importante é o RESPEITO. E o Luís chutou o balde, poxa!
Gostei desse conceito de "blogsérie". Mas se vc não tivesse feito tão bem eu provavelmente acharia um saco! :)
bjs
Antes de mais... obrigada pelo convite. Adorei este final alternativo.
Prometo que quando tiver mais um pouco de tempo, lerei toda a série alternativa à do Capitão.
Mas o Luís merecia uma lição. "Quem tudo quer..."
Um beijo
Dois excelentes finais em contraponto, sim sr. Agora podem-se juntar e escrever um livro em conjunto que já deu para ver que a cosia resultava.
Tati, acompanhei a série toda, e a cada capítulo me envolvi mais com a história... adorei! E esse final está perfeito :-)
Beijos!
Antes de parabenizar por esta blogsérie, eu gostaria de agradecer... Agradecer por ter me tirado, mesmo por alguns momentos, o cotidiano que vejo e me entristece aqui em Angola, do trabalho estressante. Agradecer por me fazer lembrar da minha Ipanema (bairro que nasci e vivi durante anos), dos boêmios banhistas do posto 9, do Plaza Ipanema e da minha lagoa Rodrigo de Freitas (que ainda tem carioca que chama de Baia de Guanabara, Uru Nova Iguaçu). Bom, só tenho a agradecer e parabenizar por este Master Piece. Têm palavras que só em outras línguas traduzem bem o que a gente sente, e neste caso eu vou ter que usar uma palavra que uso muito quando algo foge do espetacular, do maravilhoso e etc.... Eu uso o outstanding. E esta blogsérie ficou VERY OUTSTANDING.
Mas uma vez, obrigado por ter me proporcionado o prazer de ter lido algo tão cativante e bonito como esta outstanding blogsérie. Agradeço a você e ou Capitão.
M.Sombra.
Ops, no final eu quis dizer - Agradeço a você e ao Capitão.
M.Sombra
Muito obrigada a todos que deixaram os comentários sobre o final, fico extremamente feliz em ver que gostaram e que as personagens os cativaram tanto.
E Marlo, obrigada por finalmente deixar um comentário na Jeca, e lógico, pelo lindo agradecimento e elogio!
Beijos a todos
Tati que coisa gigante!!! Não deu tempo de ler, sorry.....
Deixo meus beijos ;o)
MM
Adoreiiiiiiiii!!!!
Não comentei muito os episódios, nem aqui nem no Capitão, mas gostei muito mesmo!!!
Gostei do fim da Rita, a confiança e o respeito foram recompensados e esse Diego é encantador :))
Deixam saudades!
Parabéns!
Bjs deste lado do Oceano
Tati,
Maravilhoso!! Adorei, adorei , adorei.
Estava esperando com ansiedade este ultimo capitulo ( ate trouxe o notebook para Buenos Aires para poder ler com calma ... )
Abracos enormes!
Sofia
que liiiiiiiindo!!!!!!que talentosa vc...meu coração acelerou várias vezes...vi tudo...parabéns lindona...que final delicioso..........
a Rita é uma grande mulher...adorei quando vc disse que ela ainda era apegada a possibilidade de amor......acho qeu tb sou uma apegada...beijos querida e faça outra blogonovela para gente quando tiver um tempo vai? tesão de fluidez...como admiro que usa as palavras com propriedade...
beijaços
Carol Montone
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