sábado, fevereiro 22, 2014

A mentira da invenção

Querida filha.

Estamos em 2014, e você tem apenas 4 anos. Quero que a tecnologia permita que eu deixe alguns recados pra você, caso eu me esqueça ou não dê conta de te dizer tudo.

Cheguei à conclusão que a maternidade é a melhor terapia que podemos fazer. Em você me reconheço e me conheço, mais do que poderia imaginar.

Quando eu era pequena, me chamavam de mentirosa. Assim, na cara dura, e por muitos anos carreguei a vergonha dessa característica" minha. Afinal, se diziam que eu era mentirosa, eu devia mesmo ser não?

Sim, eu contei muitas coisas que não aconteceram. Contei que nasci no avião, entre o Brasil e os Estados Unidos. Contei que vi o ET no final da rua. Contei que vi um padre com crucifixo de olho vermelho levitar na capela da escola. Contei muito mais. E virei mentirosa.

A vida passei buscando ser o mais fiel à realidade possível, como quem busca se redimir de uma fama injusta, com a culpa do erro.

Aí veio você. Vieram você e se irmão, pra ser mais exata. Um pragmático que nasceu com os pés no chão e uma..... uma..... uma cabeça nas nuvens, ou "mentirosa" como eu fui.

Passei muito tempo preocupada com os sofrimentos que você poderia passar por essas "mentiras"... Eu passei. Me questionei muito sobre como lidar com as fantasias, se eram apenas fantasias, ou se eram uma necessidade de chamar a atenção. Viagens que não aconteceram na roda da escola, brigas com amigas que jamais existiram, dinossauros em cima do carro que... bom, dinossauros em cima do carro, ponto final.

Aí ouvi uma frase que me tirou o chão. O mesmo chão em que aprendi a pisar pra não ser chamada de mentirosa: "Invenção é um negócio profundo, invenção é uma coisa que serve pra aumentar o mundo".

Caí de costas. Caí no passado. Caí no choro.

Por que meus pais não conheceram Manoel de Barros pra ouvir isso? Por que não me disseram que o que eu queria era simples assim, como "aumentar meu mundo"?

Hoje descolei de mim uma imagem que me incomodava demais, e que tinha pavor de grudar em você. Siga inventando filha. Siga criando essas extensões do seu mundo, já que você é grande demais para o concreto do nosso. Não vale estar aqui sem olhar os dinossauros no teto do carro. E sim, você pode e vai casar com o Neymar quando crescer. Por que não? Eu não casei com o Bono?..... Tudo pode. Pode tudo.

Daqui pra frente vamos é inventar mais e mais juntas.
E ajudar seu irmão a levitar um pouco, como o padre que vi na capela.

Te amo
Mamãe

"O olho vê
A lembrança revê
E a imaginação transvê.

É preciso transver o mundo"

Manoel de Barros

3 comentários:

Rubi disse...

Palavras de amor e sabedoria. Em frente Lola!

Natalie disse...

Quer lindo! ;) "Transver" o mundo é, muitas vezes, o que dá sentido a ele, o que dá sentido à nossa existência. E as crianças são mestras nisso (como em muitas outras coisas). Adorei sua reflexão. E bate aqui, somos três então. Já namorei com o Robbie, dos Menudos; já saí de balada em Bariloche com minha tia qdo eu tinha uns 5 anos e ela, mais de 20; já tive diabetes aos 4 e deixei a vizinha morrendo de dó de eu tomar injeções de insulina diariamente --e aplicá-las sozinha, veja bem!; já conversei com árvores.

bjos

Tati disse...

Natalie, adorei! Eu namorei um surfista famosíssimo, tinha até foto dele, rasgada da revista!!!! E ele me amaaava!!!! kkkkkkk