quarta-feira, setembro 14, 2016

De volta à mesa oval..

Eu já escrevi aqui sobre a Rosie, e sobre as outras mulheres maravilhosas que eu conheci no meu curso de escrita de memórias... Foram 12 semanas intensas, repletas de histórias de vida, risadas e muitas, mas muitas lágrimas mesmo... Imagine 8 mulheres sentadas em volta de uma mesa, uma a uma abrindo, aos poucos, seus corações e seus baús de sabedoria... Quase uma reunião de Avalon em pleno século XXI. Pra quem acompanhou minha saga com a escrita nesse período lembra a importância que aquelas reuniões  de terça feira tiveram no meu ajuste à vida nova. E, claro, no meu crescimento como mulher...

Foi tão bom, que eu me inscrevi de novo. Minhas amiguinhas acima dos 75 todas disseram que voltariam agora pras 12 sessões no outono, e eu estava super empolgada para vê-las e ouvir mais de suas vidas. A idéia de ter a Rosie lendo com seu sotaque sulista as histórias de sua infância, de rir até doer a barriga com a ironia da Penny e chorar de preocupação com o filho da Patsy me deixou mais feliz que pinto em dia de chuva... (ah, as expressões que eu nunca vou ter em inglês...)

E hoje chegou o dia. 

Qual não foi a minha decepção em ver que só a Becky voltou... Olhei em volta e me senti como criança em primeiro dia de aula num país estranho. "Ah, eles não têm cara de ser nem metade do que nosso grupo era. Não gostei de ninguém. Quero ir embora. Povo chato. Nada a ver. Afff" 
Todas essas verdades absolutas passaram pela minha cabeça nos primeiros 3 segundos de contato, enquanto eu via que um senhor tinha roubado o meu lugar (como assim, ele não sabe que eu sentei a primavera toda ali??) e precisava me acomodar do outro lado da mesa. Sheldon Cooper, I so get you...

Seguimos 8. O mesmo professor com cara de professor. A mesma introdução. E assim que as pessoas começam a abrir a boca, a mágica acontece. Das bocas saem as primeiras histórias, quem eu sou, por que estou ali, por que escrevo e por que quero escrever sobre a minha vida. Por que eu quero saber da vida dos outros. Por que eu sou quem eu sou. Ou melhor, "estou aqui pra descobrir quem eu sou".

A Carol é a primeira. Advogada, professora de Direito, quer registrar a linda relação que ela teve com o pai, e essa relação se deu em volta de uma propriedade na Carolina do Norte. Carol sempre escreveu textos jurídicos, mas quer treinar algo mais pessoal. Logo de cara, no primeiro texto, ela chora falando da casa que o pai deixou, e que agora ela precisa vender. Na minha cabeça limitada, eu sigo escutando sem entender por que alguém quer escrever sobre "terra" e propriedade", até que ela me dá a lição que eu preciso ouvir: "pra nós, um pedaço de terra sempre significou liberdade e independência." Carol é negra. Da Carolina do Norte. Eu suspiro e entendo, finalmente, ao que ela veio...

Jennifer pede pra pular, por enquanto, sua apresentação. Pulemos, conforme ela pediu. Deve ser tímida, a pobrezinha. Não deve estar muito confortável pra falar em público. 

A Pat é uma senhora de cabelos brancos que se apresenta como alguém que perdeu contato com sua família e quer retomar sua infância maravilhosa através da escrita. No primeiro texto, fala sobre se entender como gay aos 40 anos, depois de um divórcio e um filho de 8 anos. Fala sobre sua relação com a mãe, com irmãos e primos, pra, no fundo, falar sobre sua relação consigo mesma.

O John já fez esse curso antes, e na primeira fase, falou sobre sua infância conturbada, com uma mãe alcoólatra que fazia a manhã de Natal ser a mais feliz do ano, por que ela acordava sóbria. Seu texto me deu um soco no estômago:"Nas manhãs de Natal, minha mãe... fazia cookies. Fazia panquecas. Acordava antes de nós e punha uma linda mesa de café da manhã." Não, Tatiana. Ela acordava sóbria.

A Lisa fala pouco, baixo, e chora logo no primeiro texto. Filha de alemã com filipino, casada com um indiano, ela lança na mesa logo de cara a culpa por ter corrido de um ataque de adolescentes e de ter deixado seu primo pra trás, pra apanhar de corrente de meninos americanos que os chamaram de nazistas, por causa do alemão que falavam. 

O Dave, do meu lado, deve ter uns 55 anos, e tem um sobrenome italiano que ele pronuncia como se tivesse saído de um filme de mafiosos em NY. Um sujeito grande com cara de motoqueiro, que dava aula de inglês em Hanover e resolveu voltar pros EUA depois de 15 anos na Europa. Compete comigo e com a Carol pra ver quem de nós fala mais. Dá várias dicas de tragédias familiares, que logo enchem seus olhos de lágrimas, e eu fico logo surpresa em ver tamanha sensibilidade em um grandão com cara de mau...

A Wenda nunca escreveu. Tem uma fala rápida e agitada, assim como seu primeiro texto. Está ali por que encontrou centenas de páginas de um diário que sua filha escreveu antes de falecer aos 19 anos, de uma doença crônica, e quer entender como colocar tudo em uma história linear. 

Depois de todos, a Jennifer fala. Ela é jamaicana, e enquanto escuta o que os outros falam, tem um sorriso doce no rosto e murmura um divertido "hum hum", concordando com as falas dos colegas. Em meio ao sorriso fácil, ela diz que foi abusada pelo pai. Por isso pediu um tempo pra falar. Precisa escrever sobre tudo que passou, pra ajudar outras mulheres e ajudar a si mesma a achar paz. 

Daqueles 3 segundos da minha primeira impressão não sobrou nada. Aquelas pessoas sem graça que de cara me desagradaram todas foram embora, e de repente, chegaram outras, cheias de medo, paixão, sabedoria e empatia. Sentaram-se ao meu lado na mesa oval daquela casa do século XIX que eu amo e imediatamente eu me interessei por elas. 
Serão mais 12 semanas de choro, risada, terapia, escrita, literatura e vida. 
Muita vida. 

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