Seria cômico se não fosse trágico... Ele detestava Lulu Santos. Detestava era pouco, abominava, tinha dor nas entranhas a cada agudo daquele carioca. E ainda assim estava ali, na pista do Palace, acompanhando o "me dá um beijo, então, aperta a minha mããão..."
A década de 90 foi dura com ele. Duas faculdades, uma namorada desde os 15 anos, o início da calvície e agora, Lulu... Tudo por causa daquele braço que segurou no dele e disse: "Vamos mais pra frente??? Você me levanta nos ombros?"
O sorriso dela era doce como uma ordem. "Claro, vamos lá"
"Tolice é viver a vida assim, sem aventuraaaaaa"
Gostou da chance de pegar na mão dela, e encheu o peito ao conduzi-la, protetor, por entre a multidão de meninas histéricas, saltitantes e de mal gosto musical. Achou que era um momento bom, ficarem sozinhos, ainda que estivessem rodeados. Ele, ela e desconhecidos. Sentia-se sempre observado quando estavam juntos. Os amigos da turma sentiam a tensão entre eles, não entendiam bem o que era aquilo. Na verdade, nem ele entendia.
Na noite anterior, saíram juntos da aula. Ele a levou até o carro, mas ela começou a reclamar do ex namorado. Não dava pra ler seus sinais direito. Às vezes ela mexia nos cabelos e olhava pra ele de um jeito que não era comum. Às vezes ele a pegava apoiando o queixo nas mãos, no meio da aula, olhando com um meio sorriso pra ele. Às vezes ela era um furacão, falando de namorados e ex namorados como se fossem figurantes de uma tragédia de Nelson Rodrigues. "E se eu beija-la?"
Enquanto ela falava ele pensava em como tocar sua nuca, pegar uma mexa daqueles longos cabelos loiros e puxa-la pra si.
"Se é loucura, então, melhor nem ter razão......"
Olhou pra ela dançando ali, a camiseta regata branca, tão clichê, tão simples, tão ela... Ela, nem tão simples assim... Aproximou-se de seu ouvido, sentiu a mistura do perfume novo do Boticário com o suor do seu pescoço, e perdeu um pouco os sentidos. "Sim, eu sei que é enrolado, eu sei que talvez você nem sinta o que eu sinto, mas eu preciso de um beijo seu..." Suspirou, e antes que ele falasse, ela olhou por cima dos seus ombros e gritou: "A Renata!! Vem, ela está sozinha ali, coitada!!" Trocou o calor da nuca pelo suor da mão dela, que novamente no comando, levava ele de volta ao grupo, à realidade, à noite inerte da rua deserta da faculdade.
"Só falta te querer, te ganhar e te perdeeeerrrr, falta eu acordar, ser gente grande pra poder choraaaaarrr"
Ele detestava Lulu... Detestava os anos 90, o Boticário, e já sentia ódio pela camiseta branca molhada que ela usava. Só não conseguia odiar ela...
Saíram juntos da casa de shows, todos, rumo à lanchonete. No meio da madrugada ela foi até o orelhão, e mexia nos cabelos enquanto falava com alguém. Ele pensou nos figurantes que passavam pela vida dela. Seria um deles? Viu que ela ficou parada após desligar, pensativa. Era louco como ela podia ser, ao mesmo tempo, tão transparente e tão confusa...
Viu que ela entrou num táxi, sem se despedir de ninguém. Estava chorando. Ele, aflito, levantou e correu até a calçada, mas não dava mais tempo. Não dava mais tempo de puxa-la pela nuca, de dizer o quanto o cheiro dela o enebriava, o quanto ele queria virar a vida do avesso por um beijo.
Deu tempo apenas de cruzarem olhares. Ela, lacrimosa. Ele, ardendo.
Ela sorriu, e se foi... Perdida, solta na rua deserta, inerte...
3 comentários:
Quem é?? Quem eram?? Quem são?? Quem foram??
Anônimo, eles são todos nós! Em qualquer época, no show de qualquer astro que sirva de catalizador de dois mundos diferentes, que tentam desesperadamente se unir e não conseguem! 😊
Amei minha amiga. Escreves como gente grande!!!
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