terça-feira, agosto 11, 2015

Quando um café vira Filosofia

Eu passei invernos gélidos em NY... Invernos que congelaram meu cabelo (literalmente), me ensinaram como me vestir bem e principalmente, como aquecer a alma com comida.... 

Nosso apartamento ficava ao lado do WTC, e tinha uma vista absurda da Estátua da Liberdade. O sábado podia estar parado de madrugada, mas se eu me sentava à janela e me sentia totalmente inserida na cidade mais louca do mundo. Ela pulsava. E eu pulsava junto. Era 2000, e tanto a Big Apple quanto eu éramos ainda doces e inocentes. Nossos maiores temores haviam sido o Bug do Milênio, que não aconteceu. O pior daquele réveillon foi um moleque israelense de seus 20 e poucos anos ter dado em cima da minha mãe, que, assustada, correu pra dormir no meio da festa!

Eu chegava de vôo, vinda de Tokio sempre no final da tarde, e, claro, já estava escuro quando o ônibus da tripulação entrava em Manhattan. Eu podia ainda ser uma garota nos seus 20 e poucos anos, mas eu sabia que estava vivendo algo grande. Atravessar NY iluminada no começo de noite tinha um impacto gigante em mim. Ainda mais quando eu ligava no meu MD (sim, eu tive um MD Player.....) “The Last Note of Freedom” do David Coverdale... Nossa, eu me sentia uma personagem do “The Boxer” do Simon and Garfunkel...

Lembro vividamente de sentir o vento no uniforme fino que usávamos ao descer do ônibus. Sinto como se fosse hoje o cansaço do vôo longo e a vontade de deitar e dormir até o dia seguinte... Mas ainda eram seis da tarde... Não se dorme em NY às seis da tarde.  Dentro do apartamento escuro, eu avistava a moça que nos faz acreditar na tal liberdade lá no meio da água, de tocha pra cima, como quem diz: you go, girl! Go do something!

Como 17 horas de vôo acabam com qualquer um, o resto de energia que eu tinha dava pra um café. Na terra do Starbucks, eu tinha me apaixonado por uma petit française...  Encapotada, encolhida, gelada de frio, lembro quando descobri um pedaço de paraíso quente, em forma de scone e com cheiro e gosto de laranja, pintado de gotas de chocolate, num cantinho escondido do outro lado do WTC, chamado Au Bon Pain... Era esse meu tributo à cidade que nunca dorme, nos meus dias pós vôo... Era lá que eu ia esquentar a alma, com café e scone de laranja. Life was good...

Um ano depois a inocência acabou, num dia ensolarado de setembro. Mas isso é assunto pra outro post. Esse é sobre coisas que aquecem a alma, não que acabam com ela.

Hoje, tantos anos depois, enquanto meus filhos gritam e se recusam a entrar no chuveiro, em dias que não me sinto mais tão livre e aventureira como naqueles idos tempos, eu me vejo de novo com um scone de laranja e um café. Em casa, em pé na cozinha, pensando no jantar. E de repente, escuto a voz do David Coverdale, sinto o vento gelado na descida do ônibus e me vejo divagando por NY em 2000...

Chegar perto dos 40 tem me feito revisitar muito minhas memórias. E revisita-las tem me mostrado exatamente quem eu sou. Ou pelo menos, quem eu vou me tornando...
A idade traz rugas, sim. Traz cabelos brancos, sim. Mas nada disso tira o prazer de olhar pra trás e ver que tudo fez sentido. Cada acerto, cada erro, cada amiga e cada scone com café... 

Agora, ao jantar. E como disse muito bem o "The The":



"But, the side of you they'll never see
Is when you're left alone with the memories
That hold your life together like glue"....



quinta-feira, março 05, 2015

La Revolution ces't moi

É repetitivo dizer que eu nasci na época errada.... Quem me conhece sabe que minha imaginação toda suspira por séculos que eu não vivi, por uma busca incessante por cheiros, texturas e visões do passado. Me larga em Versailles que você me perde, pelo menos pelo dia... Eu ando fora da realidade, procurando ver o lugar como se, de repente, uma carruagem fosse me atropelar. Procuro ouvir o barulho do vestido de seda roçando nas folhas secas do chão, e chego a coçar o nariz com o forte cheiro dos dejetos que os jardins tinham. Em momentos assim, não fale comigo. Eu não respondo. Eu não estou nem ali. Não sou normal. Eu sei...

De uns tempos pra cá, tenho tido uma relação meio obsessiva com biografias históricas. Coisa patológica, do tipo que dá tremedeira.... Deixei de ler quase tudo que não seja a história (ficcionada ou não) de alguma rainha ou rei, e se bater no século XIX é moderno demais pra mim.... Meio culpa da Rubina, que me apresentou "Catarina de Bragança"... Daí em diante, só me afundei em páginas com cheiro de taberna....

A última, e talvez a que mais mexeu comigo foi a Marie Antoinette.... Tonia, para os íntimos.... Ler uma biografia ficcional, contada em 1a pessoa mexeu demais com meu sono. Na verdade, mexeu demais com a minha relação com História. Nada muito novo, não, mas sabe aquele momento em que você descobriu que a "abajur cor de carne" na  verdade é "abajur cor de carmim"? Ou seja, pensar no óbvio às vezes é pura epifania. Me explico...

História sempre foi minha maneira de viajar antes de eu efetivamente poder viajar. Então me lembro muito bem das aulas que tive. Aprendi com muito entusiasmo que a Revolução Francesa foi feita por heróis da democracia, que Danton, Robespierre e Lafayette deveriam ser louvados até os últimos dias, até o After Juízo Final Party e que, principalmente que, Luís XVI e Tonia eram o único grande mal simbólico e efetivo que atormentava a França.

Aí eu ouço a voz da Antoinette, em 1a pessoa, falando dos últimos anos dela. (Não, não foi ela que escreveu, caros, mas a autora fez um relato usando os dados reais, então, voilá...) E o "As flores, de plástico, não mordem..." viram, finalmente, "as flores, de plástico, não morrem"... E eu a olho com outra cabeça.... E, consequentemente, olho Robespierre, Danton e a francesada a quatro também diferentemente. O famoso "A História contada pelos vencedores", então, faz sentido....

Talvez seja a idade, talvez seja a idade, sei lá... Só sei que a idade (essa, repetitiva, que tem me definido tão bem nos últimos... anos...) me fez relativizar demais as ideologias. (ahhh, Jeca chata, chegou ao ponto??? Affff, demorou...) Não consigo me relacionar com nada sem olhar o outro lado. Não há radicalismo que me represente. Se eu sou coxinha ou socialista (não dá pra ser um pouco dos dois?...) se sou religiosa fanática ou atéia impura, se sou hétero, e portanto DEM, ou se sou homo, e portanto Willys, não sei... Não sei se fico, ou passo....

Só sei que a Antonieta pisou na bola forte! Não sabia fazer outra coisa, era representante do mundo dela. Podia ter sido diferente. E não podia..... E sei que, ainda assim, ela era mãe. Amorosa, preocupada e que sofreu tortura dos "libertadores democráticos" no final da vida. Tortura, sim. Só sei que talvez, historicamente, sua execução tenha sido necessária, mas sei que passei o livro todo torcendo pra ela fugir. Mesmo que eu soubesse que a única fuga que ela conseguiu foi pra guilhotina...

Nos dias de hoje, de mundo polarizado, de americanos, de estado islâmico, de Dilma, Bolssonaro, dengue e seca, talvez a grande revolução seja o caminho do meio..... E que atirem as pedras, pra cima do muro, de onde Marianne empunhará sua bandeira....
Afinal, La Revolution ces't ici....

Inté...

PS:

Isso sobre 1789.... Não vejo diferença pra hoje...

"The Reign of Terror claimed approximately 50,000 victims. Of those who were condemned
by Revolutionary Tribunals throughout France, only about 18 percent were aristocrats, 6 percent were clergymen, and 4 percent were bourgeoisie, or middle class. A whopping 72 percent were people from the lowest social strata: peasants or common laborers who were accused of petty crimes, hoarding, and issues related to military service, such as desertion or evading the draft.This would put the lie to any assertions that the Reign of Terror was largely an act of class warfare against the aristocracy. Ironically, and tragically, a handful of demagogues perpetuating the new Cult of Reason to a populace  that was predominantly impoverished, and too lazy, ignorant or brainwashed to think for itself manage to make an entire nation lose its reason entirely and descend into a cicil war that benefited no one".....

In "Confessions of Marie Antoinette", by Juliet Grey

terça-feira, março 03, 2015

O último romântico.

Seria cômico se não fosse trágico... Ele detestava Lulu Santos. Detestava era pouco, abominava, tinha dor nas entranhas a cada agudo daquele carioca. E ainda assim estava ali, na pista do Palace, acompanhando o "me dá um beijo, então, aperta a minha mããão..."

A década de 90 foi dura com ele. Duas faculdades, uma namorada desde os 15 anos, o início da calvície e agora, Lulu... Tudo por causa daquele braço que segurou no dele e disse: "Vamos mais pra frente??? Você me levanta nos ombros?"

O sorriso dela era doce como uma ordem. "Claro, vamos lá"

"Tolice é viver a vida assim, sem aventuraaaaaa"

Gostou da chance de pegar na mão dela, e encheu o peito ao conduzi-la, protetor, por entre a multidão de meninas histéricas, saltitantes e de mal gosto musical. Achou que era um momento bom, ficarem sozinhos, ainda que estivessem rodeados. Ele, ela e desconhecidos. Sentia-se sempre observado quando estavam juntos. Os amigos da turma sentiam a tensão entre eles, não entendiam bem o que era aquilo. Na verdade, nem ele entendia.

Na noite anterior, saíram juntos da aula. Ele a levou até o carro, mas ela começou a reclamar do ex namorado. Não dava pra ler seus sinais direito. Às vezes ela mexia nos cabelos e olhava pra ele de um jeito que não era comum. Às vezes ele a pegava apoiando o queixo nas mãos, no meio da aula, olhando com um meio sorriso pra ele. Às vezes ela era um furacão, falando de namorados e ex namorados como se fossem figurantes de uma tragédia de Nelson Rodrigues. "E se eu beija-la?"
Enquanto ela falava ele pensava em como tocar sua nuca, pegar uma mexa daqueles longos cabelos loiros e puxa-la pra si.

"Se é loucura, então, melhor nem ter razão......"

Olhou pra ela dançando ali, a camiseta regata branca, tão clichê, tão simples, tão ela... Ela, nem tão simples assim... Aproximou-se de seu ouvido, sentiu a mistura do perfume novo do Boticário com o suor do seu pescoço, e perdeu um pouco os sentidos. "Sim, eu sei que é enrolado, eu sei que talvez você nem sinta o que eu sinto, mas eu preciso de um beijo seu..." Suspirou, e antes que ele falasse, ela olhou por cima dos seus ombros e gritou: "A Renata!! Vem, ela está sozinha ali, coitada!!" Trocou o calor da nuca pelo suor da mão dela, que novamente no comando, levava ele de volta ao grupo, à realidade, à noite inerte da rua deserta da faculdade.

"Só falta te querer, te ganhar e te perdeeeerrrr, falta eu acordar, ser gente grande pra poder choraaaaarrr"

Ele detestava Lulu... Detestava os anos 90, o Boticário, e já sentia ódio pela camiseta branca molhada que ela usava. Só não conseguia odiar ela...
Saíram juntos da casa de shows, todos, rumo à lanchonete. No meio da madrugada ela foi até o orelhão, e mexia nos cabelos enquanto falava com alguém. Ele pensou nos figurantes que passavam pela vida dela. Seria um deles? Viu que ela ficou parada após desligar, pensativa. Era louco como ela podia ser, ao mesmo tempo, tão transparente e tão confusa...

Viu que ela entrou num táxi, sem se despedir de ninguém. Estava chorando. Ele, aflito, levantou e correu até a calçada, mas não dava mais tempo. Não dava mais tempo de puxa-la pela nuca, de dizer o quanto o cheiro dela o enebriava, o quanto ele queria virar a vida do avesso por um beijo.
Deu tempo apenas de cruzarem olhares. Ela, lacrimosa. Ele, ardendo.
Ela sorriu, e se foi... Perdida, solta na rua deserta, inerte...