sexta-feira, setembro 16, 2011

O lado ruim

Nem tudo são flores, não é?... Ok, sei que ninguém JAMAIS disse que vida de professor era baseada em felicidades eternas e retribuição constante, mas eu até que sou bem feliz no que faço. Geralmente tenho ótimo relacionamento com os alunos, falo a linguagem deles e como AMO a matéria que leciono, parece que minhas aulas são bacaninhas. Mas tem UMA coisa que me tira do sério...

Não é papo em aula.
Não é o eventual comentário negativo em redes sociais.
Não é o eventual aluno dorminhoco em sala. (coitados, eu até falo mais baixo...)

É a falta de vontade ABSOLUTA que alguns (leia-se MUITOS) alunos têm de ler... A simples menção do próximo livro bimestral causa suspiros profundos de preguiça crônica, que são a maior causa do meu desânimo.

Na minha época (ai, que frase envelhecedora...) ninguém tinha que me mandar ler. Eu simplesmente lia. Lia tudo que caísse em minhas mãos, lia bula de remédio, lia Seleções da empregada, lia "O pacto secreto de Hitler e Stalin", (livro que me deixou marcas profundas pois fiz a burrice de emprestar para a então professora de História e a fulana jamais me devolveu) lia manual de video cassete, de walk man, de fax... (e eu que achava que a frase lá de cima que ia me envelhecer...)

A vontade de se relacionar com algo misterioso parece que sumiu nesta geração. Claro que há excessões, mas mais parece regra. Falta sede de conhecimento, sede de aprofundamento.

Eu me questiono muito sobre a prática da leitura obrigatória na escola. Acredito que numa escola ideal (inserida em um país ideal cuja cultura popular também seria ideal) não haveria obrigatoriedade para se ler. O professor indicaria o livro e discutiria em um sarau com todos, sem notas, sem perguntas, sem cobrança. A única cobrança é que o aluno não falte ao sarau. Tipo clube do livro.

Mas faça a seguinte experiência: após fazer a chamada, olhe para a sala e diga: 
"Vou indicar o livro do bimestre, e vai ler apenas quem quiser."

Após um breve momento de vácuo, em que você nota nas pupilas o processamento da informação, você verá as caras de alegria contaminarem o ar.

"É opcional?", "Não PRECISO ler?"

Acabou sua atividade. Tenha certeza que raros serão os alunos que se embrenharão nas letras.

A nota ainda é o maior motivador. E geralmente, pela minha experiência, a própria leitura é feita às pressas com o único intuito de acabar até o dia da prova.

Acabou a fruição, acabou prazer da entrega, acabou o luto pelo livro acabado.
Fico pensando em um adolescente que estou conhecendo. Um tal de Arkádi que um amigo amado chamado Dostoiévski me apresentou, no livro apropriadamente chamado O Adolescente. O menino vive uma crise existencial, repleto de conflitos, buscas de afirmação paterna e questionamentos. Em muito Arkádi se parece com nossos jovens. Ele tem apenas um "algo a mais", que talvez fizesse dele hoje um alien: ele tem um ideal. Ele ambiciona crescer.

Ele tem sede.

Eu tenho medo... Muito medo...

Inté

6 comentários:

Carol Contreras disse...

Tati, eu realmente acho que a motivação para que um livro seja lido pela maioria dos alunos em sala de aula, ainda são as notas. E é mesmo revoltante. Se essa experiência fosse feita na minha escola, aconteceria o mesmo certamente. Acho que muitos não possuem mais a vontade de crescer por estarem habituados a um mundo de respostas rápidas, em que você usa e descarta a informação, respectivamente. Falta realmente saber o porquê de as palavras serem tão importantes, é uma questão cultural. Falta apoio, incentivo e além de tudo, o anseio. Tudo está tão fácil, que o que é difícil não é procurado.

Tati disse...

Falou e disse ex aluna, hoje leitora de Crime e Castigo... Algo certo eu fiz, né?!!!

Mariana - viciados em colo disse...

adorei!
tem uma pequena parte questionando, buscando alternativa, mas o dilema da massa é saber se vão na próxima festinha ou se "pegarão" a próxima paixão. lamentável!

tati, as mamatracas estavam certas: adorei aqui!
beijoca

Manu Dalcin disse...

Tati, uma das certezas que tenho é de o que mais falta na minha geração é vontade de trabalho e sede de progresso. O comum é observarmos adolescentes com rotinas repletas de lazeres, notas baixas e histórico de leitura composto por Crepúsculo e revistas Capricho (o problema não são estes exemplares, o problema é que são SOMENTE eles). Quando é pedido que qualquer livro seja lido, ninguém mais pensa como ele pode ser envolvente e delicioso,pois a única coisa que passa pela cabeça é o "trabalho" de ler. Com certeza isso é uma das principais causas de erros monstruosos e óbvios na escrita, que é agora a tecla mais batida nos vestibulares. Enfim, o prazer de deleitar-se com histórias e encantar-se com personagens, foi realmente perdido, e o livro passou a ser visto como conhecimento mofado e entediante. Sendo muito (muito mesmo) egoísta, pode até ser bom, na iminência dos vestibulares, a concorrência fica bem mais baixa...

Marina Zanichelli disse...

Infelizmente isso é a mais pura verdade Tati. As pessoas não lêem mais por prazer e sim porque são obrigadas. Em um mundo no qual é bonito não estudar e ficar no computador horas por dia, o interesse pela leitura se esvaiu totalmente.
Perder horas inúteis vendo sites idiotas se torna mais importante do que ler e mergulhar nas maravilhas de um mundo a ser descoberto. Nota-se também esse desinteresse devido ao fato de alunos dormirem nas aulas e acharem isso lindo. Onde está a ansia de crescer ? Não economicamente mas também em termos de maturidade... Parece que se foi...

Patutti disse...

O problema é que a falta de vontade e motivação não é só com a leitura, é com tudo que diz respeito a crescer. Parece que os adolescentes sonham em ser pequenos para sempre... Não só intelectualmente, mas as atitudes de alguns (da maioria) me espantam, uma criança de 5 anos chega a ser mais madura. Eles têm um medo enorme de crescer e assumir suas próprias vidas, deve ser isso.