Tudo começou com um desabafo. Juliana procurou sua professora e disse que nada em sua vida doía mais que amar alguém mas não existir em seu mundo. Juliana tinha 11 anos.
Aqueles olhos verdes marejados por uma dor sincera e comovente fizeram a professora suspirar. Sim, ela se lembrava de quando tinha 11 anos e nada mais parecia doer que o pouco caso do amor. Com um sorriso de conforto, passou as mãos pelos cabelos loiros da aluna:
"Sei que doi, querida. É horrível se sentir rejeitada. Mas sabe? Eu mal me lembro dos meninos que me fizeram chorar. E por cada um deles eu chorei como se fosse o único da face da Terra. Você é linda, inteligente e está se mostrando bastante romântica. Isso é bom. Logo mais, vai se apaixonar por um menino que também será apaixonado por você. Não se preocupe."
Juliana até entendeu, afinal, era uma garota esperta, mas pensou que a professora não havia sentido exatamente o que ela sentia. Não era possível que alguém que amasse tanto um dia mal se lembrasse da pessoa amada...
Suas manhãs eram repletas de ansiedade. Escolhia seu melhor brinco e penteava seus cabelos dourados com a esperança nova de que naquele dia ele a notaria. Ao entrar na ssala já o via sentado envolto pelos amigos. Meninos dessa idade andam em bandos, pensava ela.
"Talvez ele tenha até medo de mim."
Suspirava e recebia como um bálsamo o olhar de bom dia que ele lhe dirigia. Mas logo batia aquela dor que Juliana compartilhara com sua professora, pois o objeto do carinho dele entrava na sala.
A manhã passava assim. A cada referência da palavra amor os colegas a olhavam, conhecedores de sua paixão. Ele, sem saber como lidar com tanto sentimento dirigido a si, olhava para o caderno encabulado, fingindo não entender nada.
Como é delicado aprender a amar e a ser amado...
No início do ano seguinte, seu galã mudou de escola. Outras paixões vieram, mas ela sempre se lembrava do sorriso encantador dele. E à distância, parecia ainda mais bonito. Por anos, nenhum menino foi igual...
Quinze anos se passaram. A escola promoveu uma festa junina que reuniu ex alunos, felizes em visitar professores e reencontrar amigos. Ninguém sabia de Juliana.
"Saiu da cidade, ouvi dizer"
"É, acho que estudou Cinema na USP, não foi?"
"Não, parece que morou fora, Paris, ouvi dizer"
Álvaro estava encostado com na barraca de quentão, rindo dos velhos tempos com os mesmos meninos que o rodeavam no 6o ano. Ainda se viam, jogavam futebol aos sábados. Vantagens de cidade pequena. Falavam dos cacoetes do professor de matemática quando viram uma mulher deslumbrante entrar na quadra, de mãos dadas com um rapaz. Aprumaram-se à medida que ela se aproximou. A loira usava um cachecol violeta que fazia seus olhos verdes saltarem do rosto. Andava com tamanha segurança que todos ficaram sem ar.
Juliana já não parecia fazer parte dali. Após anos estudando sociologia na França estava de volta à cidade, para ver a mãe. Morava agora em São Paulo, onde fazia doutorado e dirigia uma ONG.
Álvaro esboçou mentalmente algumas palavras que diria a ela, ficou ansioso e derrubou o copo de quentão que apoiava na barraca. Juliana, ainda atrelada ao namorado espanhol que a seguiu até o Brasil, sentiu que a mão suava. Olhou para Álvaro e viu o menino de 11 anos. Sentiu que os ombros baixaram, mais leves, à visão de um rapaz comum, que nada lhe dizia. A lembrança valia mais. Parou no meio do caminho, e ouviu uns gritos agudos de moças, que vinham pulando em sua direção. Sorriu com saudades daquelas amigas, e virou o corpo para elas. Após abraços, apresentações e comentários, foram em direção à fogueira.
Juliana fez menção de voltar atrás. Apenas olhou por cima do ombro, cumprimentando Álvaro com um aceno.
O que via à frente era bem mais interessante...