Eu te escrevo justamente em uma data das chamadas especiais... Justo para você, que me ensinou a não ligar a mínima para essas datas. Lembro bem de você reclamando de Natal, de Ano Novo, dizendo que não ligava para nada disso. E não ligava mesmo... Acostumamo-nos com suas ausências natalinas com o passar do tempo.
Mas hoje, é praticamente impossível não pensar em você. A saudades é diária, cada detalhe que me lembra você aguça a saudades, principalmente a cada novidade dos seus netos. Me pego chorando de vontade que os visse crescendo, dizendo "vovô Antonio" para o porta retrato, virando gente... Sei como você os amou tanto no final, e o quanto eles foram sua única razão para segurar os últimos sopros de vida.
Não peguei a pena para te idealizar, para santificar o que já passou. Mas acho ainda mais difícil a sua falta pois aceitei todos os seus defeitos no final. E aceitá-los valorizou suas qualidades.
Minha grande felicidade foi ter ajustado todas as nossas contas. Fizemos o balanço. Te disse coisas que havia dito apenas para meu terapeuta, fui dura, e aquilo apesar de ter doído, me aliviou. Percebendo que você partia, te escrevi a carta final, te garantindo que apenas ficariam as coisas boas.
Te lembrei de cada detalhe bacana e te prometi falar apenas deles para seus netos. Dos gibis que você me trazia, do seu cuidado extremo conosco, das suas piadas infames. Das viagens de carro pelo Brasil afora, do cheiro de cebola dos Ceasas de norte a sul, das histórias de Portugal... Sinto tanta falta disso....
Sei que você chorou ao ler a carta... Você chorou...
Um mês depois você foi embora. E em mais uma peça da vida, a música que escolhemos para te velar foi , sem perceber, de comercial de sabonete.... Vivaldi... Não era do Phebo que ainda arde no meu nariz, mas teve uma certa graça, quase uma piada de português. Tão a sua cara. Sinto falta disso...
Vou sentir sempre...
Há dois anos que ensaio escrever algo sobre sua partida. A cada tentativa saem apenas as lágrimas e o dedo trava no teclado. É impossível escrever tudo, todo o sentimento que se envolve na perda de um pai. É uma dor que não passa, e uma saudades que não pára de crescer.
Se algo de sua consciência ainda paira, sei que lerá esse post como leu aquela carta. Se não, se vivemos a ilusão da continuidade, escrevo-te para me sentir um pouco mais próxima. E isso tem que me bastar. Tem que me bastar...
Obrigada por ter sido o pai que foi. Com tudo! O bom que me aperta o peito e o não tão bom que me moldou. Sou grata por tudo. Sua essência permanece em mim e na Caia, e a levaremos aos seus netos.
Você só termina, quando a lembrança de você termina.
Eu te amo.