terça-feira, outubro 15, 2013

Dia para se lembrar.....

Lembro da minha primeira lousa...
Tinha 6 anos, e estava em Maceió na casa de uma prima. Lembro de juntar as crianças do prédio dela e de desenhar um homem pelado. Aula de iniciação sexual, afinal, só eu sabia desenhar um homem pelado.
No mesmo dia algumas mães foram ao nosso apartamento reclamar que eu estava ensinando indecências aos filhos delas....
Senti, ali, o poder da aprendizagem. Achei fenomenal causar tanto auê por causa de um simples desenho de um pinto. Lembro do desenho. Era engraçado...

Cresci dando aula.

Aos 11 anos, virei assistente da professora de Artes no Pio XII. Voltava para casa para almoçar, colocava meu melhor vestido, meu sapato mais bonito e retornava para a escola, fazer chamada e distribuir material de artes. Quando assistia na sala da minha irmã, me achava um ser muito superior, curtindo a sensação de caminhar pela sala de aula olhando as atividades. Hoje vejo que era a simples vontade de me apropriar de um espaço que já sentia meu...

Aos 14 anos a diretora da Pink and Blue me chamou para dar aula para crianças de 4 anos. As mães ficavam na janela me checando e logo foram reclamar que uma menina não podia dar aulas pros filhos delas. A diretora concordou, e me deu uma sala de crianças de 10 anos. Acho que jamais me senti tão valorizada. Aquela diretora acreditou tanto em mim que a vontade que eu tinha, ali virou certeza.
Além disso, mais um auê delicioso, porque afinal de contas, "causar" sempre foi meu middle name.....

Do Pink and Blue recebi meu primeiro pagamento. E o primeiro olhar molhado do meu pai. Sentado no lugar "Sheldon" dele no sofá, ele pegou o cheque e queria enquadrar.

"Não, pai, saiu um negócio chamado CD e eu quero comprar. Dos Beatles!"

Nunca mais parei...

"Ué, mas você não foi comissária de bordo?"

Fui.... E enquanto voava, resolvi ser instrutora de CRM na empresa....

Tive mestres incríveis. Tenho-os, ainda.... Impossível citar todos, mas fazem parte do minha prática diária. Da Condessa já falei aqui... Meu espelho, meu grande coração...

Hoje quero falar de um outro. De um professor das antigas, modelo do tradicionalismo porto segurense, mas que tinha tamanho amor pela educação que me fez chama-lo de Mestre. O grande e polêmico Prof. Wilson.

Nos meus últimos dias de aula, corri para me despedir, e lhe disse que queria ser igual a ele quando crescesse. Então, numa sábia lição de humildade, ele me disse, encostado na mureta ao pé da escada (como nossas lembranças afetivas guardam detalhes...)

-Você conhece o Rui Barbosa?
-Conheço...
-Você conhece o Mestre dele?
-Não....
-........

Em silêncio e com uma expressão que deixara pronta sua mensagem, ele pegou seu material e foi degraus abaixo... Tipo cena de filme. Mesmo...

Hoje, quando ouço de alunos que eles querem ser como eu, conto essa história.

Professor que trabalha para que os alunos sejam "como" ele perdeu o caminho... Quero que meus alunos sejam muuuuuito melhores que eu. Mais sábios, mais felizes, mais capazes.

Que sejam Rui Barbosas....

Feliz dia, para nós....

domingo, outubro 06, 2013

Carta a um assassino de Clássicos..


Caro Sr. Vestibular,
Peço perdão pela liberdade que tomo ao entrar em contato direto com o Sr. Afinal, sois uma instituição gigante e altamente temida no Brasil, e eu apenas uma leitora, aluna e professora. Grão de areia em vosso sapato italiano....
Deixo o vós de lado. Afinal, não vos respeito taaanto assim para tamanha formalidade. Ou melhor, não o respeito tanto assim...

Vamos ao que interessa.

O senhor é um grande sacana. Sei que deve estar pensando que sou mais uma que vem defender seu fim, e dizer que o Sr. é cruel com meus queridos alunos. Mas não é isso que quero dizer. Minha discussão é bem mais simples.

O Sr. matou nossos clássicos...

Sim, matou. Assassinou.  Com requintes de crueldade fez com que as obras primas de nossa Literatura saíssem das estantes de Literatura Brasileira para virarem coleções nas madeiras da sessão “Juvenil”.... Suas listas cheirando a mofo (afinal, pouco mudaram da época em que eu me sentei com o Sr. à minha frente, há exatos 20 anos) dizem que nossa única Literatura de qualidade parou no século XIX. Ou no máximo, no Modernismo. Quase cem anos.... Desde então não produzimos mais nada que valha a pena ler, não? Corrija-me se estiver errada, mas é isso que entendo de suas listas.

O Brasil é o único país que conheço cujos adultos não leem mais os grandes clássicos. Falar em Machado de Assis, José de Alencar ou Mário de Andrade para um adulto culto significa ouvir dele “Nossa, lembro que gostei (ou não) quando li pro Vestibular.” O Sr. prestou (e continua prestando) um enorme desserviço à nossa Arte Escrita.

E assim entramos num ciclo vicioso letal. Somos obrigados a ler os títulos que o Sr. nos impõe sem espaço para formar efetivamente adolescentes leitores. Sim, caro Sr. se sua intenção ao indicar apenas tais obras era formar leitores o Sr. errou LONGE. Estamos, sim, formando leitores de RESUMOS, enquanto poderíamos guia-los por páginas mil vezes mais adequadas ao Universo deles. Assim, ao se tornarem adultos mais críticos e com mais bagagem de vida, iriam sozinhos à estante de Literatura Brasileira atrás dos grandes nomes. E os reconheceriam como tal. Na sessão que lhes cabe.

Machado de Assis não é um autor juvenil. O Sr. o tornou um... E tirou dele um público que lhe seria muito mais fiel...

Minha sugestão ao Sr. é que tire as teias de aranha do seu pensamento, que abra os horizontes e converse mais de perto com os adolescentes. Leia mais... (acho que o Sr. lê pouco, já que indica sempre os mesmos livros...) Acredito que o Sr. vá descobrir que Literatura se faz em todos os tempos, e que pode avaliar o nível de cultura dos alunos com títulos mais modernos e adequados a eles, dentre alguns títulos clássicos sim, por que não? Alguns....

Aí sim, Sr. Vestibular, terá meu respeito de volta. E teremos gerações mais leitoras. E teremos aulas de Literatura mais dinâmicas e vivas.

Quem sabe, até, terá o “Vós” que lhe tirei...

Atenciosamente